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O que eu aprendi: Charles Cosac

De volta ao mercado editorial após hiato de quase dez anos, Charles Cosac reflete sobre a edição de livros de arte, a especulação no colecionismo e suas intuições como publisher

Charles Cosac (Foto: Bonin)

 

Espero ter aprendido mais do que relato, mas tudo na vida é pautado e exige certo estilo… Me pergunto quantos Charles há dentro de mim, e fico assustado com a grande quantidade. São tantos, que não saberia dizer quantos!

Contei sempre com a ajuda de um excelente psiquiatra. Ele tem que ser excelente, caso contrário não resolve — quando não, atrapalha. É difícil viver sem alguma ajuda externa e, para mim, este meu médico é “todos os santos”.

Desde 1996 edito e publico livros, sempre na minha editora, ou mesmo aceitando comissões de outrem. Nesses anos, jamais fui à Feira do Livro de Frankfurt, nunca me preocupei com a economia local ou internacional ou o câmbio do dólar; nunca visitei o site de outras editoras (inclusive, e sobretudo, o da minha), tampouco me preocupei com o que o mercado editorial estava a fazer. Vivi e vivo das minhas intuições. Certamente esse comportamento deve ter provocado alguns equívocos e constrangimentos, mas eles fazem parte da minha vida.

Aprendi que, para editar livros, sobretudo livros de arte, você tem que estar totalmente imerso na obra do artista: qualquer vacilo pode ser letal para o livro ou mesmo para o artista. É claro que a gente acaba aprendendo algo sempre, mas o que mais me desafia é editar livros do zero. É uma prática sem a qual não sei viver.

Atualmente, é muito difícil editar uma monografia, porque os sites dos artistas já trazem praticamente tudo sobre suas obras. Por um lado, isso faz com que os livros sejam mais autorais, ou seja, que contem mais com a participação do artista; por outro, também pode inibir várias iniciativas editoriais.

Nesses últimos 30 anos, em que sempre estive entre as artes e os livros, muito mudou. No que tange ao mercado de arte, não se pode mais saber o valor real de uma dada obra. Em dada galeria, por exemplo, uma obra custa R$ 300 mil, mas você pode comprar uma similar no leilão por R$ 80 mil!

O mercado de arte tornou-se algo tão violento e rápido, que o colecionismo deu lugar à especulação. Compra-se arte como se fossem ações da bolsa. Um conselho meu: se alguém compra arte com o intuito de especular, pare agora. Arte vale quando você a adquire, pelo valor que você imprime a ela; se você quiser vendê-la, ela nem chegará perto do que você desembolsou ao comprá-la.

Isso, naturalmente, exclui as galerias “clássicas”, como as de Raquel Arnaud e a de Luisa Strina, dentre outras; e não exclui a existência de grandes e sérias coleções, como a de Andrea e José Olympio Pereira, que foi exposta publicamente no Instituto Tomie Ohtake, há alguns anos. Maravilhosa!

Ainda nas artes, eu, de fato, desgosto do que chamo de “arte DNA”. Acredito que separar pretos, quilombolas, indígenas de brancos é segregação. A história se repete há mais de 500 anos, e agora se mascara com uma falsa roupagem. Mesmo no mercado de arte, grande parte dos que lucram são os galeristas [brancos] e não as minorias [pretas ou indígenas]. É claro que há exceções, mas o que impera é o colonialismo estrutural.

Vejo aqui um débito histórico. O mais popular artista brasileiro, Aleijadinho, era preto, e não recebeu bônus algum por isso. Muitos artistas que admiramos do século 18 eram igualmente negros, e nós nem sabíamos – não havia ainda câmera fotográfica.

À medida que a gente envelhece — ou que envelhece o suficiente — para ver que a vida não caminha linearmente, e sim circular e sinuosamente, os assuntos e os hábitos mudam, mas isso não anula quem você foi no passado. Aprendi que carregamos nossos erros e acertos por toda a vida. Ninguém esquece, ninguém nos deixa esquecer.

Eu sou muito rico, e o meu maior tesouro são os meus amigos. Essa família eletiva é tudo que tenho, o mais importante na minha vida. Mencionar nomes é indelicado, nem sempre é possível citar todos. De toda sorte, sempre acompanhei o Siron Franco, com quem convivo há quatro décadas e que influenciou minhas escolhas, sobretudo no fato de eu trabalhar (indiretamente) no mundo das artes visuais. Algo que sempre almejei e que foi fomentado por nossa sólida amizade.