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A Escandinávia por Filipe Batista

Psiquiatra e escritor compartilhou suas experiências na Dinamarca e Suécia com a Esquire Brasil

A Escandinávia sempre pairou no meu imaginário como um fantasma. Um reflexo de uma ânsia por um mundo menos estropiado, onde dignidade e beleza não estivessem em conflito, mas fossem realidades que se entrelaçam. Um contraste silencioso que, confesso, me fez pensar no Brasil. Minha viagem, portanto, foi mais do que um roteiro: foi a investigação de um psiquiatra e viajante incansável em busca dos sintomas de uma sociedade que funciona. Uma autópsia de um possível futuro.

 

Escandinávia (Filipe Batista)

 

A investigação começa no berço da história: Indre By, o coração de Copenhague, Dinamarca. É um crime começar por qualquer outro lugar que não o Nyhavn, aquele porto do século XVII forrado com casas em tons de estojo de aquarela que você já viu no Instagram. Mas a experiência real é tátil: o cheiro do mar, o lastro da história, o aconchego de um vinho no Apollo Bar. Ali próximo, o Hotel Sanders, um oásis de estilo dinamarquês com uma oferta de bons restaurantes e uma atmosfera cool discreta, encapsula perfeitamente a vibe acolhedora.

 

Escandinávia (Filipe Batista)

 

Esse aconchego tem nome: Hygge. É o código cultural que valoriza o conforto, a simplicidade e a conexão humana. É a crença de que a brincadeira é essencial, não apenas para crianças. Não por acaso, a cidade abriga o Parque Tivoli, o segundo parque de diversões mais antigo do mundo. Entrar lá é um exercício prescrito: deixar a criança interior respirar. Para os devotos do lúdico, a peregrinação à Lego House, em Billund, é uma revelação da genialidade nórdica materializada em plástico.

 

Escandinávia (Filipe Batista)

 

Mas a Dinamarca não é só diversão, é profundidade. Sua alma séria se revela nos museus. A Glyptoteca Ny Carlsberg é um deleite sensorial, onde antiguidades dialogam com obras modernas contra paredes de cores vibrantes. O Designmuseum Danmark é uma aula sobre por que uma cadeira pode ser um objeto de culto nacional, um santuário do bom gosto com obras de Arne Jacobsen e Kaare Klint. Após a aula de design, o bairro histórico de Nyboder, com suas fileiras de casas cor de ocre é parada obrigatória. Para um almoço na área, o Bottega Barlie é uma ótima opção, com uma carta de vinhos bem selecionada e menu sazonal.

 

Escandinávia (Filipe Batista)

 

Para a experiência mais poderosa, pegue o trem até Humblebæk para o Louisiana Museum of Modern Art. O caminho já faz parte do ritual. Lá, a arte habita um cenário deslumbrante, com jardins que descem até o mar. Foi diante de um Bacon e de um Giacometti que reconheci a imagem: era o mesmo Bacon do protetor de tela do meu consultório. Mas a semelhança terminava aí. A diferença é matéria: a tinta a óleo sob a luz natural, a escala real. A obra não como ferramenta de distração, mas como presença. Uma diferença simples, porém fundamental.

 

Escandinávia (Filipe Batista)

 

A fome, depois de tanta cultura, pede refúgio. Fugir do óbvio leva a lugares como o Locale 21, um amor à primeira garfada. Explore ainda as imediações: a New Mags, com a literatura mais estilosa do planeta, e a loja Storm, uma mini versão dinamarquesa da saudosa Colette, em Paris. Para os amantes da Itália, Mangia, na Bagerstræde, é uma das melhores trattorias da cidade, com um menu clássico e um ar descolado – mas vá com fome, a comida mais do que justifica a espera.

 

Escandinávia (Filipe Batista)

 

Para uma base em Copenhague que seja uma experiência em si mesma, o Hotel Bella Grande é uma novidade vibrante na cena hoteleira da capital. Irmão caçula do hype Coco Hotel, ele fica no coração do centro e supera o irmão mais velho em ousadia. Entre cores sem vergonha, interiores retrô e ideias de design tão boas que você vai querer roubá-las para casa, o Bella Grande é uma festa para os sentidos. A experiência é coroada pelo Donna, seu restaurante, e pela proximidade da cama após uma jornada (responsável) pelo menu de coquetéis, tudo ao som de uma trilha sonora impecável que vai do SAULT, o misterioso coletivo londrino comandado por Cleo Sol, até Anaiis, a cativante cantora e compositora franco-senegalesa radicada em Londres.

 

Escandinávia (Filipe Batista)

 

De Dinamarca para Suécia: O Trem e a Transição

A mudança para Estocolmo pode ser feita de trem, com uma curta parada em Malmö. A paisagem nórdica que emoldura a janela é parte essencial da experiência, uma transição geográfica e mental. Para além da beleza natural, Estocolmo se revela como a incontestável capital do cool da Escandinávia.

 

Escandinávia (Filipe Batista)

 

E havia algo diferente no ar. Ou talvez fosse eu, projetado naquela geografia insular. A alegria ali tinha uma densidade, um tipo de alegria genuína e conquistada, diferente da felicidade pós-coach forjada na periferia do capitalismo. Não era eufórica, nem apática. Era uma alegria secreta, plena, que não precisa gritar. Era o fardo do paraíso: a serenidade vibrante de quem encontrou um equilíbrio, mas carrega o ônus silencioso de sua própria perfeição.

 

Escandinávia (Filipe Batista)

 

Essa serenidade se experimenta em Djurgarden. É difícil acreditar que se está no centro de uma capital ao explorar suas áreas verdes imaculadas. Caminhe pela orla ou alugue uma bicicleta para um piquenique idílico no pomar de macieiras do Rosendals Trädgård. A ilha é um paraíso para os amantes de história: do encontro face a face com o gigante naufragado no Museu Vasa à viagem no tempo do Skansen.

Para a arte, o Fotografiska é parada obrigatória. Até 12 de outubro de 2025, a exposição Anton Corbijn traça sua carreira impressionante desde os anos 1970. A mostra exibe ícones como Depeche Mode, U2, Rolling Stones e Tom Waits, além de retratos de artistas como Gerhard Richter e Ai Weiwei. Mas são os santuários mais íntimos que capturam a alma sueca. O Carl Eldhs Ateljémuseum, o estúdio do escultor, é banhado por uma luz indescritível. Os nórdicos levam o cuidado com a iluminação natural a sério, e o resultado é uma qualidade de luz que imediatamente nos atinge. O mesmo se aplica à Thielska Galleriet, que reúne obras de renomados artistas nórdicos, como Bruno Liljefors, Edvard Munch, Eugène Jansson, Carl Larsson, August Strindberg e Anders Zorn, mas também de mestres europeus como Paul Gauguin e Henri de Toulouse-Lautrec.

 

 

A culinária sueca pede seus rituais. As almôndegas do Riche são um clássico. Para frutos do mar, a família Elmqvist comanda o Lisa Elmqvist no famoso Östermalms Saluhall desde 1926. Para uma experiência íntima e memorável, procure o Restaurang Bord, em Vasastan. Um bistrô boêmio com apenas 24 lugares, onde o chef Joel Aronsson trabalha sua magia mediterrânea sobre fogo aberto. Comece com um dry Martini perfeito para abrir o apetite.

Para descansar, o Sparrow Hotel é uma joia boutique que transborda personalidade e ares franceses no distrito da moda. E, é claro, os fãs de moda não podem deixar de fazer a peregrinação ao Acne Archive, que reúne algumas das peças mais cobiçadas do passado e do presente da marca sueca. Seguindo o sucesso da também sueca Byredo, as marcas de fragrâncias de nicho na Escandinávia estão reescrevendo as regras do jogo. Para fugir do óbvio, Stora Skuggan é uma opção notável, criando perfumes que são verdadeiras obras de arte tanto no aroma quanto na apresentação.

Explorar Estocolmo é fazer arqueologia urbana. A cidade se revela em camadas: a grandiosidade imperial de Gamla Stan, a elegância industrial de Södermalm e a vanguarda de Norrmalm. Cada distrito é um estrato histórico, uma descoberta que espera ser feita a pé. E seu vasto arquipélago é a camada mais impressionante a se descobrir. Se interessado por uma fuga insular, navegar entre milhares de ilhas de ferry ou táxi-boat é simples. Fjäderholmarna, a apenas 20 minutos, é o portal para esse mundo, com o seu ótimo restaurante Fjäderholmarnas krog e belas paisagens.

Estocolmo, no fim, não é um fantasma. É real. E, como tudo que é real, vem com sua própria espessura, desafiando-nos a não apenas observá-la, mas entendê-la. O peso do paraíso é aquele que, mesmo após a viagem, continuamos a carregar dentro de nós. Um lembrete silencioso e perturbador de que outro mundo é possível.