Já passou da hora de esquecer aquele bar montado na recepção, com o bartender exausto, de smoking amarrotado e gravata-borboleta frouxa, servindo misturas duvidosas de vodca com curaçao azul e gelo de freezer enquanto uma bossa nova em versão lounge tocava ao fundo. Os bares de hotel deixaram de ser áreas sem vida própria, lugares para matar tempo até o quarto ficar pronto ou antes de sair para jantar. Eles evoluíram: hoje têm cartas de drinques respeitáveis, projetos assinados por arquitetos renomados e, sobretudo, alguns dos melhores profissionais da coquetelaria pensando em como unir ingredientes garimpados para fazer sentido dentro do copo. Não por acaso, há quem diga que alguns dos melhores tragos da cidade (independentemente de qual seja ela!) estão justamente logo depois do hall de entrada.

“Antes, bar de hotel era só uma extensão do lobby. Hoje, ele é destino”, afirma Camila Horta, diretora-assistente de Alimentos e Bebidas do Rosewood São Paulo. “Ele deixou de ser um lugar de espera; é um programa inteiro, com começo, meio e fim”, acrescenta. No caso do hotel em que ela trabalha, o Rabo di Galo, batizado em homenagem ao coquetel paulistano com cachaça e vermute, tornou-se uma referência na cena local por unir coquetelaria refinada a concertos musicais com o clima sensual dos clubes de jazz dos anos 1930. O pequeno e exclusivo speakeasy, com mesas estreitas, abajures de luz baixa e um afresco pintado à mão no teto com motivos de religiões brasileiras, remete a outra atmosfera dentro do hotel de luxo. “Ele traz essa sensação de se estar numa realidade paralela, como se você estivesse viajando, fora da rotina. O segredo de um bom bar de hotel é ser um espaço que remete à viagem”, defende.
São lugares para se sentir de férias mesmo em dias de trabalho, ou que permitem deixar a rotina do lado de fora, onde qualquer momento pode ser um convite para um coquetel ou algumas horas de frente para o balcão. Que o diga Bob Harris, o astro de cinema em declínio que tenta afogar sua crise de meia-idade no bar do Park Hyatt de Tóquio: o personagem de Bill Murray em “Lost in Translation” foi um dos responsáveis pela redenção desses espaços na percepção da sociedade, em que não há julgamentos, onde se está sempre aberto ao inesperado. “Há um denominador no nosso programa de bebidas que, além da qualidade absoluta de ingredientes, quer oferecer essa experiência de se permitir”, afirma Horta. Isso vale também para o bar montado nas habitações, que busca superar as tradicionais minigarrafinhas de destilados dentro de um frigobar que viraram sinônimo de serviço de quarto. Há coquetéis “ready-to-drink” para momentos mais íntimos, mas também limão, tábua de corte e faca para o caso de se querer fazer as vezes de bartender. “Trabalhamos para que o cliente tenha sensação de acolhimento e, ao mesmo tempo, seja tocado pelo inusitado”, ela conclui.

Para o bartender Stephano Giglio, chefe de bares do Copacabana Palace, a expectativa num bar de hotel é sempre muito alta: vai além da coquetelaria bem executada, de um serviço impecável ou de um espaço bem projetado. “O que se busca é a verdadeira arte da hospitalidade: profissionais capazes de ler o sentimento de quem se senta à sua frente”, diz ele, uma sensação mais profunda de “conforto de alma” que um bar de rua não tem o compromisso de oferecer. Giglio, que comanda as cartas de todos os bares de um dos espaços mais místicos da capital fluminense, acredita que a evolução dos bares de hotel está diretamente ligada à transformação da coquetelaria na última década. “Vivemos um resgate artesanal, refinado pelas técnicas clássicas e modernas da mixologia”, diz. “Essa mudança de paradigma abriu caminho para a construção de identidade: bares capazes de contar histórias, criar atmosferas e manter coerência entre conceito, ambiente e o que chega ao copo”, acrescenta. Também dentro dos hotéis, que precisam manter seus hóspedes e atrair clientes que queiram ter nem que seja um gole da percepção da experiência do que é se hospedar ali, como no caso dos de luxo.
O bartender e consultor Alê D’agostino defende que, do ponto de vista comercial, os bares, assim como os restaurantes, mostraram grande potencial de faturamento para os hotéis. “Se em alguns casos chegam a representar um terço ou até metade da receita bruta de uma casa, para os hotéis, investir em bares não é só branding, é estratégia de negócios”, afirma. Para ele, no Brasil, esses bares ainda têm caminho a percorrer, mas estão ganhando espaço. Ele lembra de projetos pioneiros, como o Frank, do Maksoud Plaza, em que bartenders como Spencer Amereno Jr. ajudaram a definir os rumos do que seriam os bares de hotel hoje. A tendência, para ele, é seguir o que já aconteceu com os restaurantes de hotel: virar destinos em si. “Antes, bar de hotel era aquele lugar meio triste, só um balcão de espera. Hoje virou destino”, diz, pela praticidade, pela segurança, mas também pela qualidade e seriedade com que muitos começaram a trabalhar seus conceitos de coquetelaria.
No mundo, esse movimento começou há mais de uma década, quando o mítico Connaught Bar, em Londres, se preparava para reabrir, e havia duas opções sobre a mesa: contratar um bartender veterano de hotéis, alguém com currículo invejável em alguns clássicos da cidade, ou apostar em um rosto novo, representante daquela “nova mixologia” que começava a despontar. Agostino Perrone foi o nome sugerido. “Ele estava relutante, mas aceitou. À época, não queria ser associado a bares de hotel. Esses espaços simplesmente não eram considerados ‘cool’ — tinham história, mas não atraíam”, conta Hamish Smith, diretor editorial da revista “CLASS” e editor de bares da “Drinks International”, que organiza a influente lista Bar World 100 (que seleciona as pessoas mais importantes do setor). Foi quando tudo começou a mudar já que, ao mesmo tempo, dois dos maiores bartenders do mundo, Alex Kratena e Simone Caporale, recebiam carta branca no Artesian, também em Londres, onde ousaram criar um bar de rum experimental e foram pioneiros no uso do mezcal em hotéis. “Sem esses momentos, dificilmente teríamos hoje a avalanche de bares ambiciosos pela Ásia, os endereços premiados em Londres ou o domínio de bares de hotel em listas como as dos 50 Best”, explica.

Para Smith, esses espaços provaram que podiam estar na vanguarda da coquetelaria, não presos ao papel de museus de clássicos. Exemplos como o da rede Four Seasons, que, segundo ele, soube manter uma lógica quase indie, mas com a força de uma marca global, criando conceitos individuais para cada endereço, dando autonomia às equipes e contratando talentos de primeira linha. São bares que, em suas palavras, fazem “você se sentir com um milhão de dólares”. “Ou seja, mesmo quem não pode bancar aquele estilo de vida diariamente pode, por algumas horas, pedir um martíni impecável e viver a experiência completa: serviço de cinco estrelas, atmosfera magnética, a sensação de estar entre grandes apostadores”, garante. Unindo esse sentido de luxo democrático a um senso de lugar, os bares de hotel se tornaram, acima de tudo, desejados. “Hoje, arrisco dizer: não existe um grande grupo de hotel que não veja o bar como o coração da casa”, conclui.
Bares de hotéis pelo mundo
Uma rota pela coquetelaria que vale 5 estrelas:
- Canvas Bar&Lounge – The Dolder Grand (Zurique, Suíça)
- Connaught Bar – The Connaught (Londres, Inglaterra)
- Jigger & Pony – Amara Hotel (Singapura)
- Imperial Craft – Imperial Hotel (Tel Aviv, Israel)
- Scarfes Bar – Rosewood London (Londres, Inglaterra)
- Pacific Standard – KEX Portland (Portland, Estados Unidos)
- Gold Bar – The Edition – Toranomon (Tóquio, Japão)
- Fifty Mils – Four Seasons México City (Cidade do México, México)
- Lennon Bar – Rosewood Bangkok (Bangcoque, Tailândia)
- Argo – Four Seasons Hong Kong (Hong Kong)