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Japão no copo: de São Paulo a Medellín, as influências nipônicas dominam bares no mundo todo

Coquetéis com destilados japoneses e ingredientes como matcha, umeshu e yuzu, unem técnicas refinadas com elegante rigor oriental

No andar de cima de um restaurante especializado em sushis e preparos feitos sobre as brasas do binchotan — um tipo de carvão japonês de alta pureza —, esconde-se um bar diminuto. Um balcão de pedra polida transforma-se em palco para um ritual silencioso: movimentos rápidos e precisos manipulam ingredientes como yuzu, nori, shochu e matcha com a mesma solenidade de uma cerimônia do chá.

A experiência é íntima, quase meditativa — evocando a atmosfera dos bares de Ginza, nos quais o bartender atua como mestre de cerimônias e o copo se torna extensão de sua filosofia. Mas, ao invés de Tóquio, estamos em São Paulo, onde o Shiro, com sua luz baixa e seu ambiente discreto, abriu as portas no final de 2023.

A quase 4.000 quilômetros de distância dali, em Medellín, a porta de entrada é outra. Literalmente: para chegar ao bar Konbini, também recém-agregado à fervilhante cena de coquetelaria da cidade colombiana, é preciso atravessar uma loja de conveniência japonesa — daquelas cheias de snacks coloridos e personagens de anime.

 

Arley Oviedo, do Konbini. (Foto: Divulgação)

 

O que parece um simples pastiche se revela, aos poucos, uma viagem completa. Lá dentro, sob luzes néon e ao som de disco e funk japonês dos anos 1970, drinques como a combinação de matcha com vanilla chocoana fundem os ricos ingredientes locais com referências nipônicas de forma vibrante. O Japão que habita o Konbini é outro — pop e nostálgico. Mas igualmente fascinante.

Separados pelas distintas latitudes, os dois bares representam um crescente movimento de uma nova onda de japonismo nos balcões pelo mundo. Se, durante os últimos anos, a influência japonesa nos restaurantes foi percebida no corte preciso, na delicadeza dos caldos e na estética minimalista dos pratos, agora, ela chega também aos bares — e não com pouco barulho.

Ingredientes como yuzu, matcha, amazake e umeshu começam a renovar coquetéis clássicos com uma dose extra de elegância, técnica refinada e uma boa dose de preciosismo oriental. De São Paulo a Medellín, de Buenos Aires a Madri, passando por Londres e Nova York, uma nova leva de bares está reinterpretando a coquetelaria sob uma ótica cada vez mais nipônica — seja no copo, no ambiente ou em um tipo de hospitalidade que só os japoneses são capazes de oferecer.

A influência japonesa na coquetelaria global começou há mais de uma década, com o intercâmbio técnico entre bartenders europeus e nipônicos, com foco em precisão, técnica e equilíbrio. Mas intensificou-se recentemente numa aproximação da coquetelaria a alguns cânones da escola japonesa: controle minucioso do equilíbrio de sabores (com muito umami), precisão técnica e uma busca constante por frescor e sofisticação com a melhor matéria-prima do mercado.

“Por muito tempo, era difícil replicar o estilo japonês, porque há características muito singulares, tudo é pensado no detalhe. Também existia uma questão de acesso a produtos, que hoje é muito mais fácil”, diz o bartender Fábio La Pietra, do grupo Bernacca, responsável pelo Shiro.

 

Shiro, em São Paulo (Foto: Divulgação)

 

Ele destaca também que a internacionalização dos bares, aliada ao fato de São Paulo abrigar uma expressiva comunidade nipo-brasileira, estimula a criatividade na fusão entre ingredientes locais frescos e insumos japoneses mais raros. O bar tem destilados japoneses raros no Brasil, como Ichiro’s Malt, Nikka e Awamori Zampa (alguns deles trazidos pelos próprios donos, nas malas), e até mesmo os copos seguem o rigor oriental — no caso aqui, feitos pela casa Kimura, que produz com primor utensílios para bares desde 1910.

Também há nas prateleiras produtos muito específicos, como o awamori, um tipo de destilado de arroz com mais de 600 anos de tradição com origem na ilha de Okinawa. “A carta de coquetéis dialoga com o menu [a cargo do chef Gerard Barberan], que usa ingredientes como katsuobushi, ovas, wasabi fresco e shoyu, reforçando a sinergia entre comida e bebida”, explica La Pietra.

Os primeiros coquetéis foram criados pelo consultor Danilo Nakamura, que desenvolveu drinques como o Mizu, inspirado na ideia de “e se a água fosse deliciosa?”, usando shochu, saquê, maçã verde clarificada e tintura de alga nori para criar uma bebida translúcida com notas minerais e umami. Outros coquetéis vão do nihon dry (dry martini com umeshu envelhecido) ao shissô smash (variação do basil smash com folha de shissô), que mostram a adaptação sutil e refinada dos clássicos ocidentais à estética oriental.

No caso da onda japonesa nos bares, aliás, a estética é primordial. Em Madrid, o recém-inaugurado Masaru (que significa vitória), no bairro de Salesas, serve 12 coquetéis batizados com nomes de samurais e personagens de anime. O ambiente é escuro e classudo, repleto de materiais naturais como tecido e madeira, como se emulasse um ryokan moderno.

Mas poucos levaram o conceito de uma estética japonesa tão longe quanto o Konbini: ao atravessar as prateleiras repletas de doces coloridos e bonecos, o visitante do Konbini deixa Medellín para trás e entra em um universo paralelo: um speakeasy onde o Japão dos anos 1970 e 1980 se mistura ao espírito latino com irreverência e brilho.

Inspirado nas konbinis — as lojas de conveniência sempre abertas, caóticas e encantadoras — o bar propõe uma viagem sensorial que começa nas luzes néon, em esferas futuristas penduradas sobre o balcão de madeira minimalista onde o retrô se encontra com o kitsch. Até os uniformes da equipe seguem essa lógica: brilho, nostalgia e uma pitada de delírio visual.

“A cultura japonesa foi a faísca inicial: a atenção aos detalhes, a estética e essa sensação constante de descoberta. É um espaço que parece familiar e surpreendente ao mesmo tempo — você entra por um mercadinho e acaba em outro mundo”, diz Arley Oviedo, diretor de operações e um dos sócios do bar.

Na carta de coquetéis, essa mesma fusão cultural ganha corpo em receitas ousadas e autorais, que combinam ingredientes japoneses com sabores profundamente colombianos. Nada aqui é previsível: do encontro de ingredientes improváveis, como o viche (destilado afro-colombiano, similar à cachaça) com soja e gergelim, cada drinque propõe um diálogo entre territórios distantes que se reconhecem no copo.

Há também combinações como cítricos colombianos com yuzu ou ervas andinas com saquê, sempre servidas em cristais que evocam a delicadeza japonesa. No Konbini, beber é um ato performático — e deliciosamente imprevisível.

 

Konbini, em Medellín. (Foto: Divulgação)

 

São elementos da cultura oriental, agora vertidos em cultura pop global, que também aparecem nesse novo momento de uma niponização da coquetelaria mundial. Não é só no que está dentro do copo — precisão, ingredientes de alto nível, técnica perfeita —, mas também tudo aquilo que vai da porta ao balcão; ou além deles.

No andar de cima do Kōnā Corner, restaurante de Narda Lepes e Inés de los Santos no bairro de Bajo Belgrano, em Buenos Aires, um salão escondido convida os clientes a viver uma outra famosa tradição japonesa, mas de maneira inesperada. Entre paredes com luzes coloridas, espelhos no teto e um sistema de som completo, os clientes podem soltar a voz em sofás confortáveis enquanto pedem drinques do bar com um simples toque de botão.

É uma extensão lúdica da experiência do restaurante, já reconhecido pelo recente Guia Michelin argentino, onde a coquetelaria de inspiração nipônica e o clima descontraído convidam a brindar — e cantar.