Não sei ao certo se sou colecionador ou acumulador, se tenho um hobby ou uma doença, se o que me move é o humor ou o espanto. Nos últimos 25 anos pratiquei intensamente uma nova modalidade de investigação jornalística: a busca insaciável por fatos irrelevantes noticiados nas mídias virtuais de alguns gigantes da informação no Brasil, tipo “Folha de S. Paulo”, “O Globo”, UOL etc.. Posso garantir que a quantidade de comunicação desnecessária em circulação nesse primeiro quarto de século aumentou na mesma proporção da estupidez dos algoritmos que medem o grau da insanidade dos nossos desejos. Em algum momento desse processo ficou estabelecido pelos Deuses do Conteúdo que tudo que a gente gosta, além de em geral não interessar a ninguém, é ilegal, é imoral ou emagrece.
O que a princípio atraiu minha curiosidade como um sopro refrescante no deserto de boas notícias nos canais de jornalismo da internet foi ano a ano ganhando contornos de um vendaval de bizarrices, ocorrências banais, episódios toscos de evasão de privacidade e toda sorte de descobertas inúteis. O Terceiro Milênio inaugura a era do “jornalismo do absurdo” nos convidando a clicar aqui, ó: “Morcego faz sexo com a sogra pelo bem da evolução da espécie”. Ou aqui, ó: “Paulo Coelho contou em sua biografia que fez sexo com uma namoradinha na frente de uma tia muda e paralítica da garota”. A Inglaterra inventou a torradeira elétrica que acoplada à internet imprimia a previsão do tempo no pão. Nasceu em Santa Catarina o primeiro pinto de cinco patas do Brasil. Mike Tyson assinou contrato com o canal Animal Planet para comandar um programa de corridas de pombos.
Mesmo diante da gravidade daquela década assombrada pela implosão das torres gêmeas do World Trade Center, em Nova York, o noticiário não perdeu o fio da meada da face mais ridícula das tragédias íntimas: “Chiquinho Scarpa quase morreu de overdose de suco de pêssego”; “Michael Jackson foi flagrado vestido de mulher num banheiro feminino em Dubai”; “Reynaldo Gianecchini foi atacado no Rio por um bando de abelhas”; “Britney Spears roubou um isqueiro em posto de gasolina em Los Angeles”. Na Alemanha, um jovem “dopou a namorada para poder jogar videogame em casa com um amigo”, outro “morreu no cinema asfixiado com pipocas”.
A comunicação foi contaminada pelo vírus do provincialismo global, muitas vezes mascarado pelo suposto interesse internacional por estranhas descobertas científicas e avanços tecnológicos patéticos. Há duas décadas uma empresa britânica lançou o “pijama antiflatulência” quase que simultaneamente à invenção pelos americanos da “cueca com tecido especial que disfarça a ereção”. O Japão anunciou o “implante bem-sucedido do gene do espinafre em porcos”, nada a ver com a notícia que chegou de Taiwan sobre “a criação em cativeiro de uma espécie de porco verde fosforescente”. Estudos acadêmicos praticados nos quatro cantos do mundo concluíram que “o pênis humano já teve espinhos”, que “abelhas podem diferenciar uma obra impressionista de Monet de uma pintura cubista de Picasso” e, pasmem, surgiram evidências de que “o ser humano” – ô, raça! – “surgiu após uma porca ter se acasalado com um chimpanzé”.
Quem como eu tem o hábito insalubre de acompanhar a informação em tempo real na internet vive permanentemente sob risco de overdose de cultura inútil. A web acomodou o jornalismo na mesma prateleira virtual que serve de berçário e cemitério de grandes novidades efêmeras. Que fim levou, por exemplo, a recém-nascida “vagina criada em laboratório” nos EUA? Descansa, provavelmente, na mesma vala do esquecimento onde foi parar uma certa tecnologia alemã de celular “capaz de acusar mau hálito no usuário do telefone”? A “descoberta do código genético do fungo que causa a caspa” resolveu o problema das cabeças descamadas? Que diferença fez na vida de alguém que vive em Santa Catarina ou mesmo na Bahia saber que “existe na Austrália uma espécie de rato que faz orgias de 14 horas e em seguida morre”?
‘VOCÊ SABIA?’ – No auge da velha Rádio Relógio Federal, a equipe de redatores contratada pela emissora para distrair ouvintes entre um minuto e outro da hora certa era composta de pós-graduados em respostas para tudo que jamais nos ocorreu perguntar, mas ainda assim não produziu nada que chegasse aos pés da informação delirante que invadiu nossos tempos. Por falar em pé, “Um dedão do pé vale mais que um dente molar?”. E aquela: “Verruga com pontinho preto no pé é transmissível?”. De repente você abre um site jornalístico no café da manhã e fica diante de questões dessa magnitude: “Por que as patas dos cachorros têm cheiro de salgadinho de milho?”; “Por que tem gente que sente mais vontade de soltar puns a bordo de aviões?”; “Quais são os efeitos que uma viagem a Marte pode causar nos rins?”; “Por que o som do avião muda antes e depois de ele passar por você?”; “Como participar da promoção do Burger King para calvos?”; “O que o calor tem a ver com ideologia?”; “Por que perdemos o cheiro de bebê conforme envelhecemos?”; “O que Trump, o Parque Ibirapuera e o PSG têm em comum?”.
Parece mentira, mas quem achar que estou inventando pode dar um Google nas questões acima relacionadas para encontrar as respostas que a imprensa teve o trabalho de dar a cada uma delas. Trata-se aqui de uma amostra grátis de meu extenso acervo de fatos irrelevantes e afins. Tenho catalogado em livro ou registrado nas redes sociais quase tudo que foi postado pelo jornalismo eletrônico a partir de 2001 com o claro intuito de iludir seu conhecimento. De cara, dois temas recorrentes saltam aos olhos no conjunto da obra: talvez Freud explique por que o “cocô” e o “pênis” são queridinhos dos algoritmos que nos pautam.
O “jornalismo do bem-estar”’ quer saber: “Você faz cocô do jeito certo?”; “Já olhou seu cocô hoje?”; “Por que é difícil fazer cocô fora de casa?”; “Conheça a privada para casais fazerem cocô juntos”… Poupo aqui os leitores da “Esquire” de me aprofundar na essência de certos estudos escatológicos muito em voga na procura do cocô perfeito. Já o assunto “pênis”, verdadeira obsessão dos canais de informação, merece atenção maior. A começar pela aspecto inconclusivo do tamanho: “Média do pênis ereto cresceu 24% nos últimos 29 anos, mas isso não é bom”; “Ator diz que ter micropênis o ajuda no processo criativo”; “Não é mito: homens com narizes maiores têm pênis mais comprido”; “Homens que acreditam ter pênis pequeno se atraem por carros esportivos, diz estudo”; “Lesma ou baleia: qual bicho tem o maior pênis proporcional do reino animal?”; “Ozempic causa aumento do pênis?”; “Como funciona a harmonização peniana?”.
O assunto é também um dos prediletos em entrevistas e reportagens com celebridades: “Famosos dizem como é sofrer fratura no pênis”; “Pamela Anderson descobriu traição ao ver o ex lavar pênis na pia”; “Creme que salvou pênis do príncipe Harry de congelar pode ser comprado por menos de R$ 200”; “Modelo ganha dinheiro para avaliar pênis dos seguidores”. É mole? A ereção – ainda que insatisfatória – vem a reboque: “Existe uma relação entre a vitamina D e a ereção saudável?”; “Cientistas desenvolvem spray nasal que trata a disfunção erétil em 5 minutos”; “Remédio contra queda de cabelo causa disfunção erétil?”.
O noticiário de saúde no Brasil não é para amadores! Imagina o inferno que deve se instaurar na cabeça de um hipocondríaco tentando entender “quando é preciso se preocupar em morrer durante o sono” ou por que diabos “reduzir o volume do rádio ao estacionar é um aviso do seu cérebro”. Você sabia que “limpar nariz com dedo eleva risco de Alzheimer”? Tem estudo publicado sobre isso. E milhares de pesquisas postadas comprovando que “os solteiros têm mais chances de morrer do coração que os casados”; que “o risco de infarto aumenta 13% na segunda-feira”; que “correr todos os dias pode levar a problemas psicológicos”; que “terapia de reposição hormonal em mulheres pode aumentar risco de demência”; que “casamento triplica o risco de obesidade em homens”; que “a insônia começa no café da manhã”; que “pessoas mais altas têm maior risco de câncer”; que “ficar sentado 8 horas por dia pode gerar amnésia dos glúteos”; ou, sempre tem um agravante, “sentar de pernas cruzadas pode ser ruim para a saúde”.
NADA DE PÂNICO! – Saiba mais sobre o antídoto a isso tudo digitando no Google o título “Exames médicos demais podem fazer mal à saúde”. Está de fato cada vez mais perigoso e complicado viver num mundo que de repente te dá duas opções – “Emagrecer ou fazer um mestrado?” –, mas a bula da informação preserva espaço para uma agenda positiva de sobrevivência com dicas preciosas: “Um saquinho de pipoca por dia pode ajudar a evitar a demência”; “Médico diz que truque com dedão pode diagnosticar aneurisma”; “Colocar fatia de limão ou laranja no refrigerante não causa câncer”; “Solidão faz bem para a saúde, afirma novo estudo”.
Mas a melhor rota de fuga para evitar riscos de contaminação tóxica do seu humor na leitura do noticiário pega o atalho do mundo animal. As redes sociais dão preferência às gracinhas dos pets, mas tem bicho a dar com pau no noticiário cotidiano: “Perereca vegana pode fazer o trabalho de abelhas”; “Macaco sequestra cachorro e escapa por telhados na Índia”; “Pesquisadores encontram cobra que canta”; “Pinguim segue professor no Uruguai e vai viver com ele na Argentina”; “Cacatuas aprenderam a usar bebedouros na Austrália”; “Crocodilo engravida de si mesmo”; “Homem flagra veado comendo cobra e se impressiona” (sem duplo sentido, por favor). É sério! Tem gente que chorou ao ler que “Peixinho dourado com câncer foi operado pela terceira vez para retirada de tumor”.
Outra maneira de se divertir ou se enternecer com o Grande Circo News é dar mais atenção à editoria que dedica ao mundo um estilo de cobertura de jornalzinho do interior, gênero de informação que tem lá sua graça: “Carteiro é flagrado em Piraju (SP) pulando amarelinha enquanto espera morador”; “Jovem da Indonésia enrosca piercing do nariz em cadeira do trabalho e fica presa”; “Virgem Maria faz aparição numa fôrma de pizza em Houston”; “Ex-funcionária de funerária faz acordo e recebe caixão de luxo como indenização no Cariri paraibano”; “Berros de cabra são confundidos com pedido de socorro e polícia é chamada em Oklahoma”; “Conheça a história do baiano que descobriu traição, foi meditar em mirante e abriu uma barraca de drinques”; “Chinês passa 21h de joelhos sob chuva para pedir perdão a ex, que não foi vista no local”. O mundo parece mesmo cada vez menor!
E, cá pra nós, cada vez mais esquisitão, apressado e com receio de não chegar a lugar nenhum. As mídias eletrônicas dão notícias pelos cotovelos, qualquer maluquice relatada rende um post, milhões de curtidas, milhares de comentários: “Brasileira casada com boneco de pano expõe falta de higiene bucal do marido”; “Tailandês é condenado a dois anos de prisão por vender desenhos de patos”; “Maior caixa de bombons do mundo pesa mais que um rinoceronte”; “Patroa é condenada por obrigar babá a enrolar cigarros de maconha”; “A cor rosa não existe: é uma sensação criada pelo nosso cérebro”; “Passageira tenta entrar nos EUA com fezes de girafa”; “Bares com bebida à vontade criam a taxa do vômito”; “O dia em que uma igreja do Maranhão processou cupins”; “Câmeras de segurança flagraram homem fazendo sexo com Porsche na garagem de um prédio”’; “Concurso elege melhor vestido de noiva feito de papel higiênico”; “Entenda tendência de botar papel higiênico dentro da geladeira”. Vai entender!
*Tutty Vasques é jornalista metido a humorista – e vice-versa