Cuidar da pele deixou de ser apenas uma questão de estética. A saúde mental afeta a saúde cutânea, sabe-se. Agora, a ciência descobriu que a recíproca é verdadeira: a pele pode estar mexendo com sua cabeça – literalmente – e afetando níveis de estresse, foco, ansiedade e até felicidade. Um estudo, publicado no “British Journal of Dermatology”, analisou o microbioma da pele (o conjunto de microrganismos que vivem ali) e apontou uma ligação direta dele com o bem-estar psicológico. Essa associação ganhou até nome técnico: eixo pele-cérebro. Derrubou assim a ideia de que cuidar da pele é só uma questão de vaidade.
“O eixo pele-cérebro descreve a comunicação bidirecional entre a pele e o sistema nervoso central/periférico por meio de três vias principais: neuroendócrina, neuroimune e neurossensorial”, explica a dermatologista Maria Bussade, membro da Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD) e pós-graduada em Medicina do Estilo de Vida pelo Hospital Israelita Albert Einstein. Esse eixo integra dermatologia com neurociência e imunologia. É um sistema bidirecional que conversa o tempo todo, influenciando respostas inflamatórias, percepção sensorial e até emoções.
“Na direção cérebro-pele, estresse, ansiedade ou alterações hormonais ativam o eixo hipotálamo-hipófise-adrenal, liberando cortisol, alterando barreira cutânea, imunidade, agravando acne, psoríase ou dermatites, principalmente a atópica. E, na direção pele-cérebro, inflamação ou alteração no microbioma cutâneo geram aumento de citocinas inflamatórias que ativam terminações nervosas presentes na pele, enviando sinais para o sistema nervoso central e influenciando o humor, resultando em coceira, dor, desconforto emocional e afetando o bem-estar psicológico. Não é à toa que portadores dessas alterações cutâneas têm mais ansiedade e depressão”, observa a dermatologista Denise Barcelos, especialista da SBD e pós-graduada em Medicina Integrativa.
A conexão é tão poderosa que cientistas agora olham para a pele como uma espécie de “painel de controle” emocional: quando o microbioma está desequilibrado, isso pode afetar os níveis de estresse e até os neurotransmissores envolvidos no bom humor. Ou seja, manter a pele em ordem pode ser tão importante quanto meditar, treinar ou dormir bem. O autocuidado nunca foi tão estratégico. Primeiro, veio o eixo intestino-cérebro; depois, o eixo intestino-pele. Sabe-se que a pele pode produzir substâncias químicas que influenciam o humor, como cortisol, em resposta a microrganismos. O cuidado com a pele pode aumentar a resiliência ao estresse ou até mesmo melhorar o humor.
Esta é a primeira vez que há evidências científicas quantificáveis que ligam bactérias da pele ao bem-estar psicológico. Prebióticos, probióticos e pós-bióticos entram nessa equação restaurando os eixos inflamatórios da pele. “Alimentam a microbiota que equilibra a pele, fortalecendo a barreira e reduzindo as inflamações,” afirma Denise Barcelos. Isso abre caminho para os neurocosméticos, que agem nos neurotransmissores da pele por meio de ativos tecnológicos. “Dessa forma, é possível proporcionar saúde cutânea e auxiliar a saúde mental”, analisa a farmacêutica bioquímica Fernanda Chauvin.
Há uma lista de substâncias que entram nesse jogo, como o blend canabidiol-like, o B-Shape (redutor de cortisol), o hipericum, a echinacea e a ashwagandha. Além disso, tecnologias como LEDs de fotobiomodulação estimulam a produção de energia pelas mitocôndrias e melhoram o humor via aumento do BNDF. Neuropeptídeos biomiméticos também são citados por Denise Barcelos como capazes de diminuir dor e coceira, enquanto extratos como o de lavanda induzem ao relaxamento através de vias sensoriais.
O risco, no entanto, é que modas de consumo se afastem das evidências científicas. “Não existem até agora ingredientes cosméticos com comprovação robusta de ação direta na modulação de neurotransmissores como dopamina, serotonina ou cortisol. O que temos são ativos com potencial de influenciar indiretamente o bem-estar”, define Maria Bussade. A neurocosmética é um campo emergente que ainda precisa de ciência robusta para separar avanços genuínos de puro marketing.
Se o eixo pele-cérebro se mostrar tão influente quanto o intestinal, a próxima geração de cuidados poderá transformar não apenas a aparência, mas como as pessoas se sentem. “O skincare vai além da estética; associado à psicologia positiva, pode se tornar um momento de equilíbrio emocional”, diz Maria Bussade. Contudo, para o equilíbrio completo, Denise Barcelos reforça: “É essencial combinar skincare com hábitos como meditação, terapia, boa alimentação e exercícios”.