Em 2017, Mario Caldato Jr. já era uma referência mundial na área de produção e engenharia musical, reconhecido e admirado pelo trabalho com os Beastie Boys (a partir do cultuado Paul’s Boutique, de 1989) e também por gravações com Beck, Jack Johnson, Blur e Björk, entre outros, além de brasileiros como Planet Hemp, Marisa Monte, Nação Zumbi e Bebel Gilberto. Mesmo assim, ele confessa que ficou desorientado quando, levado por um amigo, assistiu a um ensaio da Orquestra Afro-Brasileira, no Rio.
“Fiquei arrepiado quando os músicos começaram a tocar. Era um som que preenchia todos os espaços, naturalmente, sem muita amplificação, uma coisa muito profunda, espiritual. Foi uma grande emoção, que lembro até hoje”, conta, do outro lado da tela, numa conversa por vídeo com a Esquire, falando de sua casa em Los Angeles, nos EUA, onde Caldato, que nasceu em São Paulo, vive desde os dois anos (daí o português com forte sotaque, toda hora cortado por um y’know).
Aquela epifania deu frutos concretos. Logo em seguida, o produtor iniciaria as gravações do que seria o álbum 80 anos, lançado em 2021, o primeiro de inéditas do grupo – fundado em 1942 pelo maestro Abigail Moura e depois capitaneado por Carlos Negreiros – em meio século. O trabalho, que celebrava também a origem da Orquestra, cultuada pela pioneira tradução do jazz para o universo afro-brasileiro, ganha agora uma ligação com o presente através do álbum 80 anos – Remixes, com recriações feitas por um time internacional de artistas, entre eles Criolo, Emicida, Marcelo D2, Mixmaster Mike, Cut Chemist e Mexican Institute of Sound.
“Fizemos uma lista com os artistas que a gente achava que teria a ver com a obra, vendo a disponibilidade de cada um, até chegarmos a esse time”, conta Caldato, que destaca a naturalidade do processo. “Não indicamos as faixas. Cada um escolheu uma para remixar, y’know, tanto que há algumas repetidas. Todos receberam o álbum inteiro, e também as partes de percussão, metais e vocais, para brincar com elas.”
Foi a originalíssima mistura dessas partes – a polirritmia, os sopros em brasa e os cantos em português e bantu – que marcou os dois primeiros álbuns da Orquestra, Obaluayê (de 1957) e Orquestra Afro-Brasileira (de 1968), durante muito tempo raridades disputadas no mercado de vinil. A morte de Moura em 1970 interrompeu a trajetória da banda, só retomada, décadas depois, graças à perseverança de Negreiros, seu único membro original, que reconstruiu o projeto a partir das lições do seu mestre.
“O Negreiros foi o capitão dessa segunda fase, y’know, foi ele quem manteve a energia e a essência da banda intactas. Acho que era a voz dele que trazia esse espírito, essa magia”, diz Caldato sobre o cantor e percussionista, que morreu em 2022, de mal súbito, após um show em homenagem a Moacyr Santos, no Teatro Ipanema, no Rio.
Esse que talvez seja o derradeiro álbum da Orquestra Afro-Brasileira – influência para o surgimento de projetos como a Orkestra Rumpilezz, do saudoso Letieres Leite – chega ao mundo através do selo independente Amor In Sound, dirigido pelo produtor e sua companheira, Samantha Caldato.
“A essência do selo já está no seu nome, y’know. É um trabalho de amor pela música”, explica ele. “Trabalhamos com o formato digital, claro, mas lançamos também em vinil, um formato pelo qual somos apaixonados e que, assim como o livro, fica, permanece. Gostamos de coisas assim.”