Se existe um nome que entende sobre hospitalidade de luxo, é este: François Delahaye, diretor de operações do grupo de hotéis Dorchester Collections, que reúne os endereços mais emblemáticos do mundo como o Plaza Athénée (Paris), The Dorchester (Londres), Principe di Savoia (Milão), Bel Air e Beverly Hills Hotel (Los Angeles) e o novo Lana (Dubai).
Em entrevista exclusiva à Esquire Brasil, Delahaye fala sobre hospitalidade de luxo com elegância e sem rodeios. A conversa passeia por histórias de pedidos de hóspedes, reflexões do mercado brasileiro e os bastidores do desafio de manter tradição e inovação na medida exata. Leia a seguir:
Esquire Brasil: Quais as principais diferenças do mercado de hospitalidade de luxo brasileiro em relação a outros países?
François Delahaye: Em termos de hospitalidade, eu acho que o Brasil está se movendo, mas muito lentamente. O turismo aqui é mais voltado para negócios. Faltam destinos turísticos estruturados. Veja, vocês têm praias maravilhosas. Incríveis. Mas não têm hotéis de luxo suficientes. Falta infraestrutura. E o país é enorme. Têm tanta coisa pra oferecer: a Amazônia, o litoral, cidades como Salvador… e, claro, o Rio. Mas São Paulo, por exemplo, ninguém quer passar férias aqui. O Rio tem muito mais apelo — mas aí entra o problema da segurança. Ninguém quer ir de férias pra um lugar onde pode ser assaltado. Isso esfria completamente o desejo de vir. É muito triste.
E além disso, o país é tão grande que falta conexão entre as cidades. É tudo muito longe, complicado. Leva-se mais tempo indo ao aeroporto e voando de São Paulo ao Rio do que parece no mapa. Isso atrapalha bastante.
Esquire Brasil: E falando do grupo Dorchester e da ideia de tradição: como manter o legado do grupo num mundo que muda tanto, com pandemia, redes sociais, novos comportamentos?
François Delahaye: Porque temos hotéis nas melhores localizações. Dois em Paris, três em Londres, dois na Califórnia, dois na Itália, um em Dubai. Estamos sempre nos melhores lugares. E temos reputação. Uma reputação construída ao longo dos anos. O Plaza Athénée, por exemplo, é respeitadíssimo. Lançamos um hotel novo em Dubai há um ano e os brasileiros já começaram a ir, porque confiam na marca Dorchester.
Esquire Brasil: Então localização e reputação são os dois pilares?
François Delahaye: Exatamente. São os dois pilares. Quando um brasileiro vê que tem um hotel “tipo Plaza Athénée” em Dubai, ele pensa: “Talvez eu deva experimentar”. E aí vem.
Esquire Brasil: Mas há espaço para adaptação? Como a tradição se adapta ao tempo?
François Delahaye: Claro. Trabalhamos com designers, chefs, tecnologia… tudo. Do ar-condicionado ao sistema de som. E, claro, Wi-Fi. Tenho certeza de que, para você, o Wi-Fi é mais importante que a água quente (risos). E para os jovens em geral, querem estar conectados com seus amigos, com o mundo. Então, sim, nos adaptamos. Mas mantendo o espírito. Temos que fazer isso, porque a concorrência também está nos melhores lugares. Se você não atualiza o produto, se não treina seus funcionários, se não paga bem… você os perde. Eles vão para a concorrência. Então você precisa pagar salários bons, cuidar deles, respeitá-los. Dar oportunidades para que cresçam, intelectualmente também. Funcionário respeitado e bem tratado cuida melhor do hóspede. É simples.
Esquire Brasil: Vocês têm programas voltados para os funcionários?
François Delahaye: Sim. Investimos muito. Estudamos o nível de satisfação dos funcionários da mesma forma que estudamos a satisfação dos hóspedes. Eles precisam ter liberdade para dizer se estão sendo respeitados, bem pagos, bem tratados.
Esquire Brasil: E sobre sustentabilidade? Como o grupo tem lidado com isso?
François Delahaye: Já estamos nessa conversa há muito tempo. Mas é difícil. Porque nem todo hóspede quer saber disso. Especialmente os muito ricos — às vezes se tornam egoístas. Vou te contar uma história: em junho, uma hóspede muito importante, que tem uma suíte no Plaza o ano inteiro, ligou para o room service pedindo uvas. Não era época de uvas. Estavam vindo do Japão, do Chile, de avião. Não é sustentável. O atendente sugeriu cerejas frescas, morangos da região de Paris… E ela respondeu: “Acho que não nos entendemos. Eu pedi uvas.”
Ela me ligou direto: “François, você quer que eu vá para outro hotel?” Eu disse: “Claro que não!” E mandamos buscar as uvas. Compramos, acho que do Chile. Conseguimos, mas não foi nada sustentável. É como pedir cerejas em dezembro, elas vêm da África do Sul. É possível? Sim. Mas não é um bom exemplo.
Seis meses depois, encontrei o neto dela no lobby. Um menino de uns 17 anos. Eu chamei ele pra conversar. Contei a história das uvas. Ele ficou meio chocado. E disse: “Sim, a gente briga com ela por essas coisas.” Falei: “Mas cuidado… se você for direto, ela vai mudar de hotel.” Ele foi estratégico. E sabe o que aconteceu? Nunca mais recebemos pedidos insustentáveis dela. Então minha resposta é: não temos escolha. A nova geração vai nos forçar a mudar. Os meus netos vão me obrigar a cuidar do planeta. Não é mais uma questão de vontade, é inevitável.
Esquire Brasil: Então não é necessário educar os clientes, essa mudança vai acontecer naturalmente?
François Delahaye: Exatamente. Se você está grávida, com desejos, cheia de dinheiro… claro que vamos te servir o que você quiser. Esse é o nosso trabalho. Mas no futuro, vai ser diferente. Eu tenho esperança no seu bebê. E nos meus netos. Eles vão nos obrigar a fazer o certo.
Esquire Brasil: Você falou antes sobre colaborações com chefs, designers… isso ajuda a manter o frescor dos hotéis?
François Delahaye: Sim. Designers, chefs, confeiteiros… todos que trabalham conosco ajudam a equilibrar tradição e modernidade. Temos parcerias com Patrick Jouin, Bruno Moinard, Philippe Starck, Norman Foster, grandes nomes. Desafiamos todos eles a preservar o DNA da Dorchester, mas também trazer inovação. No hotel Lana, em Dubai, por exemplo, usamos painéis de madeira com molduras quadradas que lembram casas de campo inglesas. O resto é moderno. Mas aquele detalhe sutil evoca a herança inglesa. Isso é Dorchester.
Esquire Brasil: E existe algum plano para trazer um hotel da Dorchester para o Brasil?
François Delahaye: Estamos tentando, mas é difícil encontrar o parceiro certo e o local ideal. São Paulo é uma cidade corporativa. Tem 25 milhões de pessoas, mas os hotéis são todos voltados para negócios. Não é uma cidade de férias. O Rio de Janeiro seria perfeito. Eu sonhava com o Copacabana Palace. Combina completamente com a Dorchester Collection. Mas foi o Bernard Arnault, da LVMH [grupo Belmond], quem comprou. A concorrência levou. Tentamos com o Alexandre Allard — que criou o Rosewood — mas ele queria nosso investimento e não conseguimos fechar. É uma pena. O lugar é icônico, tem história. Mas ainda não aconteceu.