O pintor chinês Yan Pei-Ming, autor de obras monumentais com uma paleta monocromática, retrata detentos e trabalhadores da principal prisão de Roma numa mostra no novo espaço de arte contemporânea criado pelo Departamento para a Cultura e a Educação da Santa Sé.
Ela representa seu ikigai (razão de ser), o meio-termo com o qual expressa sua ardente criatividade. E uma missão: pintar a humanidade comum e extraordinária para trazer à tona emoções universais, incluindo o sentimento de tragédia e angústia que permeia nossa época. Entre os temas, pessoas comuns, mas também figuras emblemáticas da história e da arte reinterpretadas de forma emocional e poética, longe de ideologias e fronteiras políticas, em um fluxo de consciência entre Oriente e Ocidente.
Leia a entrevista:
Chiara Corridori: O que o trabalho para a Conciliazione 5 significou para você?
Yan Pei-Ming: Participei pintando os prisioneiros e as pessoas que os cercam, no Regina Coeli, um grupo que criou um novo universo. Gosto que os retratos sejam expostos ao ar livre, em liberdade. É como devolver-lhes a liberdade mental.
CC: Na fachada da prisão, o conceito da mostra tem uma dupla função…
YPM: A galeria das janelas será iluminada dia e noite, para que esteja sempre visível. À noite, as pinturas serão projetadas nas paredes da prisão: transeuntes e peregrinos verão essas pessoas como se estivessem diante delas. Isso proporciona uma leitura da humanidade, aquela humanidade que dá esperança e sentido às nossas vidas. Há um diálogo entre o interior e o exterior, entre o visível e o invisível.
CC: Você produziu mais obras do que o esperado. Por quê?
YPM: Eu queria que a galeria estivesse cheia. Ao passar em frente, você olhará primeiro para a frente e depois, aproximando-se da janela, também nos espaços internos, à direita e à esquerda. A partir daí, outra leitura do confinamento é desencadeada.
CC: O que você quer dizer?
YPM: O local da Conciliazione 5 é inacessível, só pode ser visto de fora. Vista dessa forma, a exposição dará a impressão de outro universo: é um lugar de prisão onde todos são colocados no mesmo nível, uma espécie de família cujos membros estão em um único quarto. Há compreensão entre eles, entre suas respectivas humanidades. O que eu chamaria de um senso comum de medo. Há um diálogo entre os guardas, o padre, o médico, os presos, os voluntários, que dá vida a esse espaço circunscrito.
CC: Não é a primeira vez que tenta isso em um contexto prisional…
YPM: Em 1996, ministrei uma oficina de pintura na prisão feminina de Rennes. Passei cinco dias lá. Ao meio-dia, as detentas cozinhavam, e depois comíamos juntas e conversávamos. Fiz cinco retratos: o diretor do Museu de Belas Artes de Rennes na época, Laurent Salomé, os viu e propôs uma exposição individual. O projeto fez parte da iniciativa Nouveaux commanditaires, com Xavier Douroux e a Fondation de France. As cinco obras agora pertencem ao Museu de Belas Artes e uma delas, La Prisonnière, de Agnès A., está em exposição permanente. Para o vernissage, garanti que alguns dos prisioneiros pudessem sair: eles poderiam desfrutar do ar livre, do calor da humanidade, de um momento de liberdade.
CC: O retrato é o gênero pictórico que você prefere. Por quê?
YPM: É o espelho do homem, de sua identidade. Está presente em todos os lugares: na política, em documentos pessoais… O retrato na arte é a memória da humanidade. Um homem pode ser anônimo, desconhecido, mas graças à pintura acreditamos que ele permanecerá eterno. O retrato é a nossa vida.
CC: Olhando para suas pinturas, podemos reconhecer algo de nós mesmos?
YPM: Trabalho meus retratos por meio de sentimentos e emoções, eles são os elementos-chave neste tipo de obra. Quero que falem com todos. Que sejam como um espelho no qual se olha. Um espelho que reflete de volta ao espectador sua identidade.
CC: Uma citação sua: “O retrato é importante tanto para o pintor quanto para quem o observa”. Você pode explicar?
YPM: O pintor se expressa. O espectador recebe; enquanto observa, ele pode imaginar e criar uma emoção.
CC: Existem temas que você prefere a outros? Animais, por exemplo, são recorrentes.
YPM: Os animais fazem parte da nossa humanidade, somos todos seres animais. Sem os primeiros, não haveria outros. Pinto pássaros, macacos e tigres para dar uma leitura diferente da minha principal preocupação: o retrato do ser humano.
CC: Os olhos frequentemente se voltam para o observador, um clássico da composição renascentista. Que tarefa você lhes atribui?
YPM: Você nunca deve desviar o olhar do seu oponente. O olho é o espírito dos seres vivos, dos animais, dos homens. O olhar devolve a expressão: o olho se expressa. Ele confere espiritualidade ao olhar.
CC: Essa espiritualidade é o valor universal que vemos em suas representações?
YPM: Sim.
CC: Seus rostos são quase sempre parcialmente indistintos, mas o olhar é bem definido e penetrante…
YPM: Quando olhamos para uma pessoa, nos voltamos primeiro para seus olhos. Encontramos o olhar de alguém. Sem o olho, o mundo é negro.
CC: Você retratou Napoleão, o Papa Francisco, Obama. Os corpos sem vida de Mussolini e Claretta Petacci. Os de Pier Paolo Pasolini e Aldo Moro, mortos. Que paralelos suas obras despertam com a história?
YPM: Todas as minhas pinturas vêm de documentação. Crio uma imagem estática. No momento em que a foto se transforma em pintura, ela de alguma forma se torna eterna. É o poder da pintura.
CC: O retrato é frequentemente escolhido como tema. Uma forma de mergulhar dentro de si mesmo?
YPM: Sempre os fiz. O tempo passa e até os retratos envelhecem gradualmente. Quero que minha imagem permaneça nesta terra após minha morte.
CC: Alguém já pintou você?
YPM: Sim, mas artistas não muito conhecidos e meus antigos professores. Eu costumava posar muito, no passado. Vivemos interconectados e entre bilhões de imagens.
CC: A tradição do retrato faz sentido na exploração da identidade contemporânea?
YPM: A fotografia é a nossa contemporaneidade, é verdade, e o retrato a óleo é uma ferramenta tradicional, mas que nunca sai de moda. Existem muitas novas tecnologias digitais que disseminam imagens, mas o pintor continua indispensável: a mente e as mãos nunca podem ser substituídas pelo digital. Pelo contrário, quanto mais imagens houver, mais o artista fortalecerá sua legitimidade, sua personalidade e a de sua pintura.