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Vinho da casa: conheça os restaurantes que criam seus próprios rótulos

Cada vez mais restaurantes criam suas próprias bebidas em parcerias com produtores como forma de expressar identidade e oferecer novas experiências

Para celebrar os 25 anos do D.O.M., o restaurante brasileiro mais premiado no panorama internacional das últimas décadas, o chef Alex Atala decidiu que era preciso mais do que um menu especial para a data — neste caso, uma sequência de 12 pratos que exaltam a cozinha tradicional do sertão, uma região que, segundo ele, “é fundamental para nos entendermos como brasileiros”.

Era necessário que o restaurante inteiro estivesse em festa: da trilha sonora criada especialmente para a ocasião (com a voz do escritor Ariano Suassuna discorrendo sobre a autenticidade cultural nordestina nas caixas de som dos banheiros) ao cardápio em formato de cordel, que apresenta o menu e seus ingredientes — como feijão-de-corda, caju, queijo coalho, maxixe e jerimum.

Mas o presente mais especial, guardado em embalagem personalizada para a data, está nas bebidas: os vinhos que acompanham a harmonização foram criados em parceria com pequenos produtores do país, em garrafas com rótulos que mais parecem ter saído de um mural grafitado no centro de São Paulo.

Desenhados pelo artista visual Felipe Yung — mais conhecido como FLIP, autor de diversos grafites espalhados pela cidade —, os seis rótulos fazem parte de uma colaboração entre o restaurante e produtores nacionais. São vinhos de produção limitada, com blends inusitados ou elaborados com uvas raras no país (como a italiana Trebbiano), vindos de regiões como Serra Gaúcha (RS), Videira (SC) e São Roque (SP).

É a primeira vez, em mais de duas décadas, que o D.O.M. adota o conceito de rótulos próprios. A seleção foi feita pelo sommelier-chefe Luciano Freitas, cearense de Acopiara (a 360 quilômetros de Fortaleza), para harmonizar com o menu degustação.

O projeto, ele explica, foi pensado para dar visibilidade a pequenos produtores nacionais, apresentar vinhos diferentes e limitados aos clientes e enriquecer a experiência de harmonização.

“Isso agrega muito ao serviço e aos valores do restaurante. Não estamos falando de vinhos caros, mas sim de vinhos com identidade”, garante.

É o caso do próprio Âmbar Trebbiano 2022, um branco de mínima intervenção no estilo laranja, elaborado pela Montaneus exclusivamente a partir da casta que lhe dá nome, mantido por cerca de 96 dias em contato com as peles. De perfil gastronômico, chama atenção pela acidez vibrante, que Freitas considerou ideal para acompanhar um prato que une jabá e jerimum.

A seleção envolve proximidade com os produtores — que ele conheceu em feiras e degustações — e também o acompanhamento de rótulos ao longo dos anos, oferecendo aos clientes a chance de provar algo que não existe em nenhum outro lugar.

“Eles entendem que é algo único, feito só para aquele momento. E isso é fundamental no tipo de experiência que queremos oferecer”, diz.

Os rótulos especiais do D.O.M. refletem um momento em que a exclusividade tem se tornado um valor cada vez mais apreciado na gastronomia. Outros restaurantes também estão apostando em bebidas próprias como forma de moldar sua “identidade líquida”, como define Freitas.

Há quatro anos, o Mugaritz — restaurante no País Basco conhecido por romper limites da gastronomia convencional (como servir ostras cruas boiando em taças de champagne ou um molde de seio do qual se sugava um líquido branco levemente adocicado) — criou um projeto semelhante, porém ainda mais ambicioso: desenvolver rótulos sob medida com viticultores parceiros.

O vis-à-vis, como foi batizado em alusão à expressão francesa que significa “cara a cara”, surgiu não apenas para criar bebidas alinhadas aos pratos das temporadas (que mudam anualmente), mas também para representar ideias centrais da filosofia criativa do Mugaritz.

Trata-se de um projeto inédito que coloca sommeliers e chefs lado a lado com os produtores, criando vinhos que funcionam como reflexo da cozinha.

“Queríamos desenvolver um universo líquido com a mesma criatividade que marca a nossa cozinha”, explica a sommelière Kristell Monot, responsável pelo projeto.

“Embora outros restaurantes também façam parcerias, acredito que muitas sejam mais pontuais. Para nós, essas alianças evoluíram para algo mais profundo, com um conteúdo que servimos com identidade própria.”

Para este ano, a equipe conseguiu engarrafar uma colheita histórica do famoso Domaine de Pallus, produzido em Chinon (França); desenvolver um branco no Bierzo (Espanha) com Ricardo Palacios — sobrinho de Rafael e Álvaro Palácios, dois dos maiores nomes da enologia espanhola —; além de um orujo da Cantábria, uma kombucha com chá japonês, um espumante britânico e até um sake feito no Japão em parceria com o renomado sommelier e produtor canadense François Chartier.

Em quatro anos, foram realizadas 48 colaborações — e outras oito já estão previstas para 2026.

“O segredo tem sido antecipar cerca de 60% das propostas com dois anos de antecedência, para dar tempo ao processo criativo e manter espaço para surpresas no caminho”, afirma.

Do lado das vinícolas, as parcerias com os restaurantes são vistas como oportunidade de posicionamento — mas também de aproximação com consumidores que já têm a gastronomia no radar.

“É importante que as marcas de vinho consigam chegar rapidamente ao consumidor final. Se tivermos um intermediário que funcione como embaixador, esse processo se torna muito mais fácil”, afirma Beatriz Machado, diretora de marketing da Niepoort, uma das mais respeitadas casas de vinho do Porto.

Nos últimos anos, a Niepoort tem feito projetos com o próprio Mugaritz, mas também com o DiverXo, do chef celebridade Dabiz Muñoz, em Madrid, e com o Noma, em Copenhague — eleito quatro vezes o melhor do mundo na lista do World’s 50 Best Restaurants.

“Também trabalhamos com o Chapel Market Kitchen, um restaurante em Londres que está super em alta agora, e onde os nossos vinhos são servidos em formatos especiais de cinco litros”, explica.

Criar rótulos ou oferecer safras especiais a restaurantes exige um esforço enorme de toda a equipe — dos viticultores aos enólogos —, mas ela garante que o trabalho compensa.

“É uma dor de cabeça fazer tantos vinhos diferentes, mas também faz parte do caráter criativo da Niepoort, o que nos diferencia de outras casas”, afirma.

“A chancela da Niepoort também dá credibilidade aos restaurantes. É quase como um selo de qualidade. E assim, essa rede de embaixadores de uma marca para outra vai se espalhando.”

No Disfrutar, em Barcelona — eleito em 2024 o melhor restaurante do mundo pela lista dos 50 Best —, a inovação e a execução impecável dos pratos criativos e lúdicos sempre foram apontadas como os grandes trunfos da casa, comandada pelos chefs Oriol Castro, Eduard Xatruch e Mateu Casañas.

Mas o que pouca gente comenta é que o programa de bebidas do restaurante é igualmente notável.

No início da refeição, os clientes recebem águas com gás elaboradas no próprio laboratório da casa, em sabores inusitados como café e lulo (uma aromática fruta colombiana).

Mais recentemente, os chefs lançaram uma linha inteira do que chamam de “destilados que queriam ser vinhos” — bebidas de baixo teor alcoólico feitas a partir de ingredientes nada óbvios como cogumelos, alho-poró e até wasabi.

Fora da cozinha, o Disfrutar também entrou no varejo, lançando bebidas criativas em empórios e lojas especializadas. Entre as inovações mais excêntricas estão a já famosa vodca infusionada com trufas e uma impressionante seleção de vinhos sem álcool, obtidos por destilação a vácuo.

Neste ano, o Disfrutar foi além e criou a Cocktology: uma coleção de 12 drinques prontos para beber, vendidos em supermercados espanhóis.

A ideia nasceu em 2021, ainda durante a pandemia, quando os chefs criaram coquetéis autorais para acompanhar os pedidos de delivery. Agora, em parceria com a empresa Gourmand & Guiard, eles oficializam a brincadeira: os coquetéis — que vão de clássicos como mojito e piña colada a receitas mais autorais, como o Jalisco (tequila, laranja sanguínea e gengibre) — são preparados com frutas frescas e destilados premium, e vendidos a €9,90 na seção gourmet do El Corte Inglés.

“Basta agitar, adicionar gelo e servir”, diz a embalagem.

Falta só o show de fumaça líquida e uma esfera de azeite para parecer que você está lá.