As inquietações quanto às mudanças climáticas, os esportes e o universo do livestyle perpassam as trajetórias dos convidados da “Esquire Brasil” para o bate-papo a seguir: o brasileiro Oskar Metsavaht e o suíço, nascido na África do Sul, Mike Horn, embaixador da manufatura de relógios Panerai há quase 20 anos, uma parceria que resultou em modelos como o Panerai Submersible Quaranta Quattro Mike Horn Edition.
Entre seus feitos, Horn circunavegou sozinho, por dois anos e três meses, o Círculo Polar Ártico. Tornou-se o primeiro homem a cruzar os pólos Norte e Sul. Nadou por todo o comprimento do Rio Amazonas, da nascente à foz. Construiu, no Brasil, um veleiro chamado Pangaea, para realizar expedições em que busca educar os jovens sobre o meio ambiente. Leia a entrevista a seguir:
OSKAR METSAVAHT: Quando foi a primeira vez que o senhor navegou pelo Rio Amazonas?
MIKE HORN: Eu nadei o rio em 1997. E depois voltei muitas vezes ao Brasil. Primeiro, nadei todo o percurso do rio. Depois, atravessei a pé, seguindo a linha do Equador a partir de Macapá. Você deve conhecer — Macapá está no Canal Norte do Amazonas, enquanto Belém, no Pará, fica ao sul. Para mim, foi uma experiência incrível. Cruzar a floresta amazônica seguindo o rio, e depois atravessá-la acompanhando a linha do Equador, foi inesquecível. O Brasil é um país lindíssimo. As pessoas costumam chamar a Amazônia de “Inferno Verde” porque não a conhecem. Passei muito tempo em Manaus, inclusive com o exército, que me ensinou tudo o que sei sobre sobrevivência. É um dos lugares mais bonitos do planeta, e precisamos preservá-lo.
Minha próxima pergunta é sobre a diferença entre o que o senhor viu em 1997 e o que observou ao longo dos anos. Quando foi a última vez que esteve no Rio Amazonas?
Estive lá há cerca de cinco anos. E devo voltar este ano novamente. Vamos sair da Europa em cerca de dois meses, depois vamos para os Estados Unidos e navegaremos pela costa. Devemos chegar à floresta amazônica entre junho e julho. Estamos muito empolgados. A expedição se chama “What’s Left” [o que restou, em tradução livre], e estamos comparando as mudanças no ambiente natural pelo mundo. Passamos um ano na Groenlândia, com meu barco congelado no gelo. Documentamos as mudanças que observamos — estive lá pela primeira vez há 25 anos. Ver como o gelo derreteu nesse período foi impactante. Vinte e cinco anos não são nada numa vida humana, e ainda menos na história da humanidade. Mas as mudanças são radicais. A expedição à Amazônia será para comparar o que vi em 1997 com o que encontraremos em 2025. Queremos fazer também um ou dois pequenos projetos ambientais. E ver se podemos contribuir com a COP 30, que será em Belém.
“A destruição ambiental é evidente. Acredito na educação. Ela é uma ferramenta incrível para as futuras gerações mudarem sua forma de pensar”
Mesmo antes dessa próxima expedição, o senhor consegue apontar quais foram os impactos positivos e negativos mais marcantes?
Infelizmente, muito do que vimos é negativo — a destruição ambiental é evidente. Acredito profundamente na educação. Ela é uma ferramenta incrível para fazer as futuras gerações mudarem sua forma de pensar. Quando nadei no Amazonas em 1997, já vi a madeira sendo cortada ilegalmente, o garimpo destruindo o habitat e as áreas desmatadas para criação de gado. Isso já me incomodava naquela época. Hoje temos sistemas de educação, redes sociais, internet — podemos usar tudo isso para influenciar positivamente. Se somos capazes de destruir a floresta, também somos capazes de conservá-la e reconstruí-la. Existem muitos projetos que ajudam no plantio de árvores e oferecem oportunidades para que as populações locais ganhem dinheiro de forma sustentável. Acredito que essas pequenas iniciativas estão, aos poucos, influenciando o público em geral. Por isso tenho esperança na Amazônia. Ela é uma das florestas mais importantes do mundo. É como os pulmões da Terra, junto aos oceanos. Se perdermos esse equilíbrio, a humanidade perderá seu lugar no planeta.
Durante suas expedições, quais são algumas práticas sustentáveis que o senhor adota?
Nessa viagens, vivemos longe da civilização, muitas vezes a bordo de um barco congelado no gelo por um ano. Cuidamos da água, da comida, da geração e da conservação de energia. Viajamos com cães, a pé ou de esqui — o que reduz muito nossa pegada de carbono. Nas cidades, usamos eletrônicos, eletrodomésticos, lavamos roupas sem parar… isso tudo gera uma pegada enorme. Sim, é importante lavar roupa, se informar, carregar o celular — mas essas fontes de energia podem ser sustentáveis. No barco, éramos dez ou 12 pessoas, incluindo minha família e pesquisadores. Dividíamos tudo: espaço, água, comida. Só lavávamos as roupas quando necessário — o ambiente era limpo, sem poluição. Planejávamos cada refeição com antecedência, porque não havia supermercado. Se pudermos planejar melhor nossas vidas, viver de forma mais sustentável, usar roupas mais naturais e lavá-las menos, estaremos economizando água, energia e transporte. Hoje, com a inteligência artificial, grandes servidores estão sendo construídos, consumindo muita energia e gerando calor. Precisamos pensar bem sobre como usaremos essa tecnologia no futuro, de forma sustentável. Só de ir para a Amazônia em uma expedição já reduzimos nossa pegada. Recomendo que todos façam uma caminhada pela selva — uma semana já é um grande benefício para o planeta.
Essas viagens devem ser experiências muito intensas. Quais os principais aprendizados que o senhor teve — como ativista climático e como ser humano?
Acredito que, se você consegue viver sozinho em condições extremas, você se completa como pessoa. Na sociedade, sentimos que precisamos dos outros para ter importância. Mas, quando nos afastamos disso, o medo aparece. Duvidamos de nós mesmos. A sociedade cria uma ilusão de que não conseguimos viver sozinhos. Mas, para lutar pelo que é certo, você precisa de força interior. E só se constrói autoconfiança passando tempo consigo mesmo — e se aceitando. Todos temos talentos e oportunidades diferentes. Quando fortalecemos nossa essência, podemos contribuir com o universo. Quando vivemos em civilização, nos desconectamos da natureza. Precisamos nos reconectar para redescobrir nossos valores.
A reconexão com a natureza seria, então, o principal aprendizado?
Sim. Reconectar-se com a natureza e entender que você pode sobreviver, aconteça o que acontecer. Não devemos depender sempre dos outros. É preciso desenvolver a força interior para sobreviver por conta própria.
Sua próxima expedição está por começar. Como o senhor acha que entrevistas como esta, e as atividades que realiza, ajudam a abrir os olhos das pessoas para a urgência climática?
Ótima pergunta. A ciência, hoje, não é suficiente para abrir os olhos das pessoas. Tentamos explicar que o planeta está aquecendo, que os combustíveis fósseis emitem carbono, que ele sobe para a atmosfera, cai no oceano, é absorvido pelos plânctons, que depois mudam suas rotas migratórias… É tudo muito complicado. Mas quando você olha ao redor e vê o que está acontecendo na Europa e no mundo — enchentes, secas, incêndios — entende que o clima está mudando. Os extremos estão ficando mais extremos. Os oceanos equilibram a temperatura do planeta. Os polos resfriam a Terra. Se o Ártico derreter, perderemos esse controle térmico. Os oceanos absorveram tanto calor e carbono que hoje estão saturados. Se não tivessem feito isso, o mundo estaria 22°C mais quente — inclusive no Brasil, Europa, EUA, África. Isso é insustentável para a vida humana. Quando construía meu barco em São Paulo e fazia 38°C, já achava muito. Imagine 58°C! Não teríamos energia suficiente para refrigerar as casas. Quando o meio ambiente afeta sua vida pessoalmente, você entende — e quer agir. A exploração é uma ferramenta de comunicação para mostrar ao mundo o que estamos vendo. Vi, pela primeira vez, um urso-pardo matar um urso-polar. Isso não deveria acontecer. O urso-pardo não sobrevive no Círculo Polar Ártico. Mas o urso-polar estava fraco demais para caçar. Voltou à terra exausto, e acabou morto. Quando vemos isso, percebemos a gravidade da mudança. Exploradores se tornam mensageiros — mostram o que os outros não podem ver.
Qual seria a melhor forma de transmitir essas mensagens ao público?
Usamos redes sociais, como todo mundo. Hoje, qualquer um pode viralizar. Mas eu sou da velha guarda — tenho quase 60 anos. Não fui criado com esse tipo de comunicação. Ainda assim, as redes sociais alcançam muita gente. Só que é preciso ser interessante, curto e impactante. A exploração chama atenção porque envolve risco. Se você faz algo que ninguém fez e sobrevive, as pessoas querem saber. Escrevemos livros, fazemos filmes, documentários, conferências — tudo para comunicar e causar impacto.
“Se você consegue viver sozinho em situações extremas, você se completa como pessoa. Quando vivemos na civilização nos desconectamos da natureza. Precisamos nos reconectar para redescobrir nossos valores”
Formado em medicina, Metsavaht é embaixador dos Oceanos da ONU para a Década 2020/2030, fundador e diretor criativo da Osklen, marca reconhecida por sua proposta de novo luxo, em que ética e estética se fundem em seu conceito de Asap, do inglês as sustainable as possible, as soon as possible. Também é criador do Instituto-E, organização não governamental que promove projetos socioambientais.