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Os 20 álbuns essenciais de 2020 até agora

Pedimos a um respeitável time de jornalistas de música e artistas que escolhesse 20 álbuns, entre nacionais e internacionais, que fossem essenciais – não exatamente os melhores – para entender os anos 2020 até agora, ou seja, aqueles que melhor definem o zeitgeist, o momento atual. Confira a seleção final

Quando o Homo erectus descobriu, há algumas centenas de milhares de anos, que poderia criar fogo a partir da fricção entre duas pedras, certamente apareceu alguém com dez motivos para aquilo não ser feito, gerando uma acalorada discussão.

Desde então, evoluímos, adquirimos cultura e passamos a enumerar razões para preferirmos Tarantino a Hitchcock, Murakami a García Márquez, e Ivete Sangalo a Claudia Leitte. Viramos sapiens, com um gosto particular por listas – dos melhores, dos maiores, dos piores etc.

Afinal, listas – popularizadas pelo livro Alta Fidelidade (1995), do britânico Nick Hornby, que depois virou filme e série – servem para estimular, de forma instantânea, a reflexão pessoal e o debate na mesa do bar. Evolutivamente, não muito mais que isso. Subjetivas e apaixonadas, elas subvertem o lema de que gosto não se discute – e talvez aí esteja toda a diversão.

Normalmente, as listas caem das árvores de Natal a cada fim de ano, em meio às ondas de retrospectivas, mas a regra não é clara. Por isso, quebramos a tradição e pedimos a um respeitável time de jornalistas de música e artistas que escolhesse 20 álbuns, entre nacionais e internacionais, que fossem essenciais – não exatamente os melhores – para entender os anos 2020 até agora, ou seja, aqueles que melhor definem o zeitgeist, o momento atual.

Todos aceitaram a provocação e partiram para o desafio. E que desafio!

Pra começar, o próprio retrato de uma década tornou-se, desde os anos 2000, muito mais difícil de ser enquadrado do que os períodos anteriores. Grosso modo, os anos 1960 foram do rock de tintas hippie e da MPB de protesto. Os anos 1970 viram surgir o metal, o punk, o reggae e a disco. Os 1980 surfaram a new wave e as rimas do hip-hop. Os anos 90 explodiram com o grunge e o samba-reggae, entre outros gêneros.

Mas no início do século XXI, com o avanço do som digital e dos programas de trocas de arquivos (peer-to-peer), tudo ficou misturado e a cara da música mudou radicalmente, ao ponto de se tornar quase indefinível.

Não alheio a essas e outras questões, o time selecionado pela Esquire Brasil fez seu trabalho de casa. E aos poucos, os álbuns escolhidos começaram a chegar, a partir dos pontos de vista e das vivências de cada integrante.

Por conta disso, a expectativa era de que o consenso seria difícil, em meio ao enorme fluxo de lançamentos, a toda hora, de todos os tipos, de toda a parte.

“Realmente, a ideia de um consenso musical hoje em dia é bem mais difícil do que em outros tempos, quando as grandes gravadoras ainda tinham o poder de filtrar o que saía ou não. O volume de lançamentos era bem menor”, diz Charles Gavin, baterista dos Titãs, pesquisador, apresentador e integrante do júri.

“Não existe mais um trânsito ou um corredor comum. Às vezes, quando saio procurando novidades, sinto que estou navegando pelo espaço sideral, olhando galáxias distantes. Mas não acho isso ruim. É um sinal dos tempos. Acho que o consenso é mais fácil de ser encontrado dentro dos nichos, mas sempre vai existir uma superestrela como Beyoncé para refutar essa tese.”

De fato, Beyoncé ficou na linha de frente da eleição da Esquire Brasil, em terceiro lugar com nove votos para o álbum Renaissance, de 2022, uma celebração do hedonismo das pistas de dança para um mundo ainda se recuperando da bad trip da Covid-19.

Mas o primeiro e o terceiro lugar – respectivamente Motomami, da cantora espanhola Rosalía, com 11 votos, e DeBÍ TiRAR MáS FOTOs, do astro porto-riquenho Bad Bunny, com oito – levantaram juntos uma boa discussão: estamos, enfim, mais ligados nos sons latinos ou essas são apenas exceções à regra.

“Apesar de o pop internacional ter tido um constante impacto por aqui, historicamente o Brasil sempre ouviu e consumiu mesmo as diversas músicas do próprio Brasil”, analisa Claudia Assef, jornalista, curadora, DJ e também parte do júri.

“Se a gente for lembrar, a música latina até chegava aqui, como chegaram Luis Miguel, Menudos e a própria Shakira, mas a barreira da língua era difícil de superar. Só que hoje ela está começando a cair porque existe um maior intercâmbio e, claro, porque existe a internet.”

Para Claudia, o reggaeton tem um papel importante nessa virada rumo aos sons latinos:

“É um som quente, que tem conexões com o piseiro, o forró e o brega, então muita gente consegue se identificar. Além disso, o brasileiro gosta de ver o que está sendo consumido pelo mundo. E a Rosalía e o Bad Bunny são dois ícones que estão puxando as latinidades mundo afora. Então, acho que é bem essa equação.”

Mas se os números não mentem, eles fazem coisas incríveis.

Como, por exemplo, juntar, entre os cinco primeiros do pleito, duas artistas que sacodem – cada uma, à sua maneira – os alicerces da MPB: Juçara Marçal, oito votos por Delta Estácio blues, e Ana Frango Elétrico, mesmo número de votos com Me chama de gato que eu sou sua.

O fato de Kiko Dinucci, guitarrista do transgressor grupo Metá Metá (do qual Juçara também faz parte), ter entrado na lista com seu álbum solo Rastilho (cinco votos) poderia sugerir algo mais: que aprendemos as lições de Tom Zé e estamos ouvindo coisas certas por linhas tortas, por conta do avanço dos sons experimentais, através de festivais como o Novas Frequências e selos como o QTV.

Mas como diria o eterno tropicalista, talvez seja melhor não explicar para poder confundir.

Mais certo é confirmar a força de Liniker, chamada de “sensação pop” pelo jornal inglês The Guardian, que teve sete votos para o imponente Caju e puxou o bloco LGBTQIA+, que se viu representado também por Pabllo Vittar e Gloria Groove, empatadas em sexto lugar, respectivamente por Batidão tropical e Lady Leste, com cinco votos.

Voltando à questão do consenso, causa estranhamento a ausência de Taylor Swift, artista que mudou os parâmetros do showbizz mundial com a turnê The Eras tour, a mais rentável da história, e lançou quatro álbuns, cada um com inúmeras versões especiais, desde 2020.

Quem apareceu, não exatamente no seu lugar, foi a inglesa Charli xcx, com cinco votos para o pop futurista de Brat, que virou até slogan da candidata derrotada à presidência dos EUA, Kamala Harris.

O poderoso BaianaSystem, usina de força que saiu das ruas de Salvador para o mundo, também ficou de fora, assim como Jota.Pê, cujo álbum Se meu peito fosse mundo ganhou três prêmios no Grammy Latino.

Mas, enfim, listas…

Notável também é a presença do virtuoso pianista pernambucano Amaro Freitas, com o instrumental Sankofa, que diz mais sobre a questão racial do que muita falação vazia; da dupla mineira FBC (rapper) e Vhoor (produtor), com as crônicas urbanas de Baile, e do doce eternamente bárbaro Caetano Veloso, com o profético Meu coco, que, em 2021, já apontava o dedo para os “anjos tronchos do Vale do Silício”.

E há, claro, o funk, presente com Anitta e seu foguete internacional Funk Generation, que teve seis votos, mas também ausente, como ressaltou o pesquisador e crítico GG Albuquerque ao enviar seus votos, porque o formato álbum não consegue abraçar toda a rapidez e urgência dos lançamentos do gênero, feitos em sua maioria no formato de singles.

“Dentro da estética do streaming, o conceito do álbum, tal como foi concebido nos anos 60, não faz mais tanto sentido”, afirma Leonardo De Marchi, professor da Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (ECO-UFRJ) e autor do livro A indústria fonográfica digital: formação, lógica e tendências (Mauad).

“Isso se dá porque as plataformas de streaming precisam de muita gente conectada, ouvindo música o tempo inteiro, para que seu sistema de recomendação, que faz mineração de dados e previsão de comportamento do usuário, funcione. É assim que elas monetizam. Por isso, boa parte da indústria hoje trabalha em função do single, não só do funk, mas também do trap, hip hop e sertanejo.”

Para De Marchi, mesmo não sendo mais o formato dominante, o álbum – em vinil, por exemplo – vai seguir existindo como um produto cultural.

“O disco traz uma experiência semelhante a um livro, que conta uma história e demanda tempo e atenção para ser absorvido. Isso nunca vai deixar de existir.”

Jurados: Claudia Assef, Letícia Novaes, Michelle Miranda, Isabela Yu, Leonardo Lichote, Charles Gavin, Silvio Essinger, GG Albuquerque, Gilberto Porcidônio, Chris Fuscaldo, Silvia Machete, Pérola Mathias, Kamille Viola, Marina Santa Clara, Marina Lourenço, Patricktor4, Alexandre Matias, Roberta Martinelli, Catto, Lucas Breda.