Generic selectors
Exact matches only
Search in title
Search in content
Post Type Selectors

s

Esqueça Capri, Mikonos e Ibiza: Esquire Brasil elenca sugestões de destinos no verão europeu para além do óbvio

O jornalista Hermés Galvão sugere roteiro para um eurosummer alternativo

Numa Europa afogada em sua própria sede de turismo (e não adianta culpar os ultramarinos pelas invasões bárbaras), sobrou pouco ou quase nada de seu verão que ainda seja digno de nota. Entre selfies e sangria, pasta fredda e Birkenstock, alemães e ingleses transformaram o Mediterrâneo num grande pub com karaokê tirolês, juntando-se a eles os P.I.G.S. (abreviação de Portugal, Italy, Greece e Spain) que, farofeiros como ninguém, encontram em agosto o único momento possível para desanuviar as mágoas em suas próprias águas.

Os hotspots de outrora agora agonizam em praça pública: a subida à Piazzetta de Capri parece um bloco de carnaval fora de época, Sardenha virou cenário de guerra entre lidos e gommone, Saint-Tropez já não sabe mais se é vila, vaidade ou vitrine e Ibiza tenta dançar, mas tropeça no excesso de si mesma. O Mediterrâneo, que já foi símbolo de prazer solarengo e charme à toa, anda exausto da própria fama.

Mas, calma. Nem tudo está perdido. Ainda existem refúgios onde é possível nadar sem precisar disputar a braçada com um barco sob a bandeira de Cayman. Ilhas, vilarejos e enseadas que continuam alheios ao desfile de logomarcas, onde o ritmo ainda é o do vento, não do wi-fi, resistem bravamente ao turismo predatório que, verdade seja dita, não tarda a chegar para bagunçar o coreto destes pequenos Shangri-Lá-sur-mer. São destinos onde a utopia esbarra na realidade e não uma rave patrocinada por uma empresa de telefonia coreana sediada em Londres.

Peguemos Antiparos, por exemplo: enquanto Santorini traduz a verdade inconveniente do Instagram, a vizinha da desengonçada Paros cochila ao sabor do vento Meltemi, com faixas de areia fofa onde o som mais alto é o das cigarras e noites que acabam cedo. É como visitar Mykonos antes da expansão do porto e da proliferação de voos vindos da Inglaterra bêbada.

 

Antiparos, Grécia (Foto: Shutterstock)

 

Mais ao sul, Folegandros se recusa a abrir mão de seu quase anonimato. Um penhasco cortante, uma chora no cume com construções empilhadas como um Lego helênico e um pôr do sol que parece cronometrado por Homero. É linda, é pequena, e não faz a menor questão de agradar influenciadores – o que, convenhamos, já é um alívio por si só.

Anafi vai além: é praticamente um retiro involuntário. Alguns barcos, pouca gente, quase nenhuma distração – tão remota que até os ventos demoram a chegar. Sem grandes hotéis ou multidões barulhentas, é o destino ideal para quem quer desaparecer por uns dias. Claro e como sempre, hippies e gays foram os pioneiros e já ameaçam zarpar com a aproximação dos casais munidos de filhos bélicos e sons que deviam ser proibidos para maiores.

A seguir, sentido leste, navegamos pelo Egeu até aportar em Astypalea, uma das ilhas gregas mais belas e menos celebradas, o que só aumenta seu charme. No topo, o Castelo de Querini observa o azul como um velho marinheiro. Ele já viu invasões bizantinas, ataques otomanos, mas nada o preparou para a atual ameaça: o cruzeirista com boné e bloqueador solar mais oleoso que Rayito del Sol.

 

Astypalea, Grécia (Foto: Shutterstock)

 

Longe dali, sob o feitiço do Tirreno blu, Ponza flutua na costa italiana como um segredo de amigos. Casas coloridas e peruas estampadas de Milão fazem o match perfeito; o cenário é um refresco para quem deu as costas para Positano depois de derrapar na SS163 para desviar de uma Vespa desgovernada.

No mesmo mar, e em outra vibração, boiam Panarea e Stromboli. A primeira, de uma elegância discreta, é a menor das ilhas Eólias e, paradoxalmente, a mais sexy, reunindo a turma gente fina que abandonou Portofino mesmo antes de desistir do Festival de Sanremo. A segunda, com seu vulcão ativo e areia escura, é ideal para quem quer mergulhar de dia e observar explosões noturnas, como num espetáculo geológico de luz e sombra – para ver o show do gigante, a Pizzeria Osservatorio está estrategicamente ao lado da Sciara del Fuoco, o desfiladeiro por onde as lavas correm até o mar. Para acompanhar, licor de figo-da-índia feito ali mesmo.

 

Panarea, Itália (Foto: Shutterstock)

 

Descemos até os confins do Mediterrâneo para chegar a Pantelleria, ilha metade siciliana, metade africana e 100% fora do circuito. Os dammusi, como são chamadas as casas de pedra vulcânica, escondem pequenas hospedarias e trattorias sem letreiros visíveis e sem gente querendo aparecer, o que traz um toque de mistério e curiosidade aos que chegam – e aos bem-vindos, uma boa dose de passito (vinho feito com uva zibibbo seca ao sol) para entrar no espírito.

E chegamos à Espanha, a maior praça de “touristas” da Europa. Povos mediterrâneos sempre foram habituados a invasões – dos vikings aos muçulmanos e, mais recentemente, holandeses e belgas. E nessa nada mole onda bárbara que erode suas praias todos os anos, são os espanhóis que mais têm sofrido com a presença massiva de bocadilleros em busca de um lugar ao sol e uma mesa à sombra.

Plano de fuga existe – e eles sabem onde e como escapar. A Costa Brava é o rumo: a menos de duas horas de Barcelona, o relevo une mar e montanha e esconde pequenos segredos naturais à prova de lotação – mesmo em agosto a pino. Calella de Palafrugell é uma vila onde ainda se varre a calçada de manhã e se ouve guitarra à noite. Construções baixas, barcos de madeira, e um azul que parece ter saído de um quadro do Sorolla.

 

Calella de Palafrugell (Foto: Shutterstock)

 

E em meio à sarabanda de botes e boates das Baleares, temos Deià como ponto pacífico no esconderijo mais boêmio de Mallorca, um vilarejo refúgio de poetas, músicos e almas evitantes que fogem de small talking e grandes eventos.

E se a sua bússola aponta para o Atlântico, o Algarve também tem seu segredo bem guardado: Cacela Velha. Um punhado de moradias caiadas suspensas sobre o oceano, uma igreja, ruínas árabes e um mar tão quieto que parece ter feito voto de silêncio. Em pleno mês de agosto, ainda é possível atravessar a pé até uma faixa de areia deserta.

 

Cacela Velha, Algarve (Foto: Shutterstock)

 

Ali, onde a sofisticação do verão não está em aparecer, mas em desaparecer com elegância, é a contrapartida portuguesa, com certeza, para quem caiu no conto da Comporta. Navegar é preciso, como sempre foi. Para encontrar lugares onde o tempo amolece, o sol aquece sem estorvo, e o mar é só mar – não palco, não selfie, não espetáculo. Como a Bahia.