Bonaventure Ndikung, curador-chefe da 36ª Bienal de São Paulo: “A ideia de estilo não me interessa em nada.”
A frase pode soar polêmica, quase duvidosa, vinda da boca de um homem como Bonaventure Soh Bejeng Ndikung, curador-chefe da 36ª Bienal de São Paulo. Nascido em Camarões e radicado em Berlim, ele é uma das figuras mais estilosas que andam circulando pela cidade, deixando senhoras e senhores encantados por sua simpatia, inteligência… e por suas roupas maravilhosas.
“Digo que não me interessa o estilo, porque o que me interessa é a atitude. Tem a ver com ‘porter’, comportar-se. O que vestimos é mais uma questão de como conseguimos nos portar”, diz ele à “Esquire Brasil”, poucos dias antes de inaugurar a exposição monumental que ocupa o Pavilhão da Bienal entre setembro e dezembro sob o título “Nem todo viandante anda estradas: da humanidade como prática”, reunião de 120 artistas dos quatro cantos, com ênfase no chamado Sul Global – África, América, Ásia e Oriente Médio.
Dono de um acervo de peças feitas principalmente por estilistas africanos e afrodiaspóricos — muitas delas desenhadas especialmente para ele — Bonaventure veste sapatos bicolores, boinas, anéis, óculos escuros e, muitas vezes, um lenço de seda Hermès. Um traje, ele diz, assim como a poesia, não deve jamais dizer tudo.
“O que mais me interessa é a história que o estilista quer contar. Qual é a narrativa? Se tiver a ver com a minha biografia, minha filosofia de mundo, eu visto. Não porque seja um símbolo ou uma marca, mas porque consegue mostrar algo de mim que nem eu conheço bem.”
Na escolha, imperam quase sempre os tecidos naturais: algodão, seda e couro, na contracorrente de um mundo cada vez mais sintético e automatizado.
“O que me interessa muito no que chamamos, em inglês, de fashion é a etimologia da palavra. Vem do latim facere, fazer. Quando se fala de moda, o que eu ouço é fashion: a arte de criar algo, o valor da feitura de algo à mão, uma criação manual, artesanal e espiritual.”
Dono de um mestrado e um doutorado em biotecnologia, Bonaventure migrou pouco a pouco para a arte contemporânea — é o fundador do SAVVY Contemporary, espaço de referência em Berlim e, desde 2023, diretor e curador-geral do Haus der Kulturen der Welt (HKW) — sem nunca abandonar o gosto pela ciência e a abordagem interdisciplinar.
“Lester Bowie era um grande artista de jazz. Sempre que subia ao palco usava um jaleco de laboratório para mostrar que o trabalho dele era como o de um cientista. No meu caso, é verdade que não uso mais jaleco de laboratório. Mas sempre me vesti como me visto hoje, tentando mostrar o que está dentro em vez do que está fora.”
Assim como ele, boa parte dos estilistas e criadores que menciona são “viandantes”: Patrice Kouadio, nascido na Costa do Marfim, radicado no Marrocos (fundador da marca TRAVEL.); Angela Brito, cabo-verdiana radicada no Rio; e T. Michael, estilista ganês que vive na Noruega e faz peças de alfaiataria masculina, notadamente quimonos. “T. Michael tem lojas no Japão, mas a forma como ele faz o quimono está muito ligada aos boubous usados na África Ocidental. O que me interessa muito é que a geografia não nos separa, mas nos reúne.”
A geografia e os tecidos, por sinal, desempenham um papel central na 36ª Bienal, tanto na expografia, simulando rios que ajudam a dar fluidez ao percurso pela exposição, quanto na obra de artistas como Myriam Omar Awadi, Juliana dos Santos e Ana Raylander.
“Não vejo alta-costura na fashion week de Paris ou de Berlim. Vejo alta-costura em Camarões, quando vou ao mercado ou à igreja aos domingos e as mulheres como minha mãe ou minha irmã carregam verdadeiras esculturas na cabeça, com uma fineza e elegância incríveis. Com senso absoluto de detalhe e composição. Alta-costura é sobre composição.”
Todas as peças usadas por Bonaventure Soh Bejeng Ndikung são de seu acervo pessoal.