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O novo poder de liderar despido

Renato Winnig, diretor de marca e marketing da Aramis Inc., reflete sobre os desafios atuais da liderança nos negócios e traça paralelos entre a ficção e o dia a dia

Vivemos uma era em que a liderança não se impõe, se conquista. Não se grita, se escuta. Não se veste de perfeição, se despe de certezas. E talvez seja por isso que, mais do que nunca, precisamos falar sobre um novo tipo de liderança: aquela que não tem medo de se mostrar vulnerável.

A fábula “O Rei Está Nu” nunca foi tão atual. Um líder cercado por bajuladores, convencido de que sua autoridade é infalível, desfila orgulhoso sem perceber que perdeu a conexão com o essencial: a escuta, a verdade, o vínculo. É uma metáfora potente para um modelo de liderança que caducou — e que, felizmente, vem sendo substituído por uma visão mais humana, horizontal e autêntica.

Essa virada não é apenas uma inspiração — ela é um movimento real. Nos maiores fóruns de inovação, como o SXSW 2025, as discussões sobre o futuro do trabalho colocaram no centro temas como segurança psicológica, saúde social e coragem emocional. A pesquisadora Brené Brown voltou a destacar que a vulnerabilidade é uma habilidade essencial da liderança moderna — não uma fraqueza a ser escondida. Já Kasley Killam, especialista em saúde social, reforçou que o bem-estar coletivo é impulsionado por relações de confiança e pertencimento, não por metas isoladas ou culturas de alta pressão. Esses discursos ajudam a consolidar uma nova visão de liderança: mais afetiva, relacional e ancorada na construção de vínculos genuínos.

Essas tendências estão em linha com o mais recente estudo da Harvard Business Review, que afirma: as lideranças mais eficazes da próxima década serão aquelas que souberem construir culturas de vínculo, e não de controle. Ambientes de segurança psicológica se tornaram não só desejáveis — mas condição para inovação, lealdade e performance sustentável. Relatórios recentes da McKinsey reforçam que equipes com alta segurança psicológica apresentam níveis de engajamento e comportamento inovador significativamente superiores. Estudos indicam que a combinação de resiliência e segurança psicológica pode elevar o engajamento em até 3,6 vezes e o comportamento inovador em até 3,9 vezes.

Mas talvez seja na ficção que tenhamos os retratos mais potentes dessa mudança.

Em The Bear (produção original do FX), Carmy lidera uma cozinha caótica — mas, aos poucos, percebe que não basta ser o melhor chef. É preciso aprender a confiar, a delegar, a deixar o ego de lado para construir algo coletivo. A série mostra que vulnerabilidade não é o oposto da força — é o ponto de partida para a confiança e a cocriação. O calor da cozinha vira metáfora da pressão da liderança contemporânea, onde o verdadeiro desafio não está em controlar tudo, mas em sustentar o caos com sensibilidade.

Já em Ted Lasso (produção original da Apple TV+), temos o oposto do arquétipo clássico de chefe. Sem gritar, sem humilhar, ele lidera com humor, afeto e escuta genuína. Sua força está na generosidade. E é justamente isso que transforma um time inteiro. A série ensina que liderar não é sobre ter todas as respostas — mas sobre fazer as perguntas certas e criar um espaço onde as pessoas possam florescer.

Severance / Ruptura (produção original da Apple TV+, dirigida pelo Ben Stiller), por outro lado, traz uma crítica contundente. Numa distopia onde o “eu do trabalho” é separado do “eu da vida”, o humano vira função. A série nos alerta para os riscos de ambientes onde não é possível ser inteiro — onde há performance, mas não há presença. É um chamado para integrarmos quem somos ao que fazemos, para que o trabalho não se transforme em um lugar de fratura da identidade.

Essas narrativas — reais e ficcionais — apontam para o mesmo norte: liderar, hoje, é estar disposto a se despir. De armaduras, de verdades absolutas, de papéis pré-fabricados. É acolher a vulnerabilidade como potência, e não como fraqueza. É praticar escuta ativa, criar vínculos reais, promover ambientes de confiança onde seja possível errar, recomeçar e criar algo novo, junto.

A liderança despida não é a que expõe, é a que se propõe. A que se apresenta inteira. A que troca o discurso do herói pela prática da colaboração. A que transforma tensão em afeto e controle em presença.

Aprendi, na prática, que não existe inovação sem confiança. Nem coragem criativa sem segurança emocional. Nem pertencimento sem vínculo real. Liderar times e processos de marca me mostrou que as maiores potências surgem quando a relação é mais forte que o ego — e o ambiente, mais acolhedor que impositivo. E que, para um executivo de marketing e branding gerar influência real e construir uma cultura de marca viva, dentro e fora da organização, é preciso muito mais do que estratégia: é preciso empatia, verdade, generosidade, doses de inspiração — e, acima de tudo, escuta.

E, assim como nas boas histórias, a virada começa quando alguém tem coragem de dizer: o rei está nu. E, em vez de esconder, escolhe aparecer inteiro.