O Azymuth ainda está na pista. E segue sem palavras. Nascido sob o signo da velocidade, o venerado grupo celebra 50 anos do lançamento do seu álbum de estreia ao mesmo tempo em que lança um novo trabalho, mantendo-se, apesar das durezas do percurso, na pole position da música instrumental “made in Brazil”.
Produzido por Daniel Maunick, filho de Jean Paul “Bluey” Maunick, da banda britânica Incognito, “Marca-Passo” é o primeiro trabalho do grupo sem o baterista Ivan Conti, o “Mamão”, morto em 2023. Outro integrante original do Azymuth, o tecladista José Roberto Bertrami, já tinha falecido em 2012, deixando o comando nas mãos do baixista Alex Malheiros, agora acompanhado por Kiko Continentino (teclados) e Renato Massa (bateria).
“A perda do Bertrami já tinha sido um desfalque gigantesco, difícil de superar. Aí teve a passagem do Mamão, que foi um susto. São momentos de muita tristeza, mas a gente tem que seguir em frente, não é?”, diz Malheiros, por telefone, falando de sua casa, na região oceânica de Niterói, Rio de Janeiro.
No final dos anos 60, Malheiros, Bertrami e Conti atuavam como músicos de estúdio, acompanhando artistas como Elis Regina, Rita Lee, Eumir Deodato e Raul Seixas. Em 1973, um chamado dos irmãos Marcos e Paulo Sérgio Valle mudou tudo. Convidados para acompanhar a dupla na trilha de um documentário sobre Emerson Fittipaldi, que havia sido campeão mundial de F-1 no ano anterior, os três acabaram, por causa de questões contratuais envolvendo Marcos, sendo cocreditados como autores do disco e batizados com o nome de uma das suas faixas, “Azimuth”.
“A gente já fazia jingles para televisão e vinhetas para rádios, então não foi muito difícil criar aquelas músicas com os irmãos Valle. O mais importante foi que ganhamos união e um nome depois das gravações”, destaca o baixista.
Dois anos depois, o trio lançou, pela Som Livre, seu primeiro álbum, homônimo, ainda usando aquele nome. Apesar de já trazer a mistura abrasileirada de jazz e funk que viria a consagrar a banda, o disco acabou sendo puxado por uma música com vocais, “Linha do horizonte”, que foi incluída na trilha da novela da Globo Cuca legal.
“Aquele foi o momento em que a gente botou tudo para fora, depois de anos acompanhando outros artistas. Foi quando saímos em busca do nosso próprio som”, diz Malheiros.
Em 1977, já como Azymuth, com y, o grupo lançou seu segundo trabalho, Águia não come mosca, que sedimentaria seu estilo, chamado carinhosamente, pelos próprios integrantes, de “samba doido”. No mesmo ano, o Azymuth foi a primeira banda brasileira a se apresentar no Festival de Jazz de Montreux, na Suíça. Dali, saiu com o convite para uma excursão pelos EUA com o casal Airto e Flora Purim e um contrato com a gravadora Milestone Records, de gigantes do jazz como McCoy Tyner e Sonny Rollins. Era a linha do horizonte do Azymuth subindo.
Os anos seguintes foram de grandes conquistas, com a carreira internacional do grupo deslanchando, culminando com o sucesso de “Jazz Carnival”, extraída do álbum Light as a Feather, de 1979, que chegou perto do topo da parada inglesa de singles, um feito e tanto para um som instrumental.
No final dos anos 80, porém, o Azymuth começou a trepidar, com a saída de Bertrami e, depois, de Malheiros. A má fase, que se estendeu até a metade da década seguinte e quase acabou com a banda, foi encerrada durante o boom da acid jazz (associado às raves) no Reino Unido, graças à ação de artistas e DJs como Jamiroquai, Roni Size, 4 Hero e Madlib que começaram a samplear a banda e citá-la como influência.
“Os DJs sacaram a nossa onda, afinal, nós nunca fizemos um jazz complexo, cerebral, nosso som sempre teve groove. E essa redescoberta foi fundamental para a gente seguir em frente, sempre se renovando”, conta Malheiros.
A partir dali, com a retomada da formação original e a associação com a Far Out, o trio voltou ao circuito com novo combustível. “O som do Azymuth é inconfundivelmente brasileiro e ousadamente futurista”, cravou o site Pitchfork ao falar do grupo, que lançou, em 2016, Fênix, o primeiro álbum com a formação atual, e, em 2020, um volume da celebrada série Jazz Is Dead, dos músicos e produtores dos EUA Adrian Younge e Ali Shaheed Muhammad.
Capítulo mais recente desse renascimento, Marca-Passo traz uma regravação de um clássico do grupo, “Last Summer in Rio” (com a participação de Bluey) e uma homenagem ao seu saudoso baterista, “Samba pro Mamão”.
“O samba doido não pode parar”, brinca Malheiros, que, aos 78 anos, ainda quer fazer algo inédito. “A gente gravou aquele disco do Fittipaldi lá no começo, mas nunca fizemos uma trilha sonora. Acho que cairia bem na nossa discografia”.