O filósofo alemão Friedrich Nietzsche cunhou, no século 19, entre tantos aforismos, uma frase que se tornou célebre: “Temos a arte para não morrer da verdade”. Séculos se passaram, vieram guerras, catástrofes naturais, crises sociais, epidemias, mas a arte sobreviveu e se fortaleceu, alcançando cada vez mais pessoas em escala global.
Nos últimos 20 anos, o valor econômico da arte contemporânea cresceu exponencialmente, passando de um mercado mundial limitado de US$ 1,888 bilhão para gigantesco mercado global. O impulso não foi devido apenas aos preços crescentes de artistas emblemáticos como Jean-Michel Basquiat, Yoshitomo Nara e Jenny Saville, mas também ao aumento expressivo de transações, com obras contemporâneas gerando 18% do faturamento global dos leilões de arte.
O número de obras contemporâneas vendidas mais que dobrou em dez anos, graças à digitalização acelerada dos leilões desde a crise sanitária ocasionada pela covid-19. Este fenômeno gerou um aumento de 72% nas vendas comparado ao período pré-pandemia.
Em 2023/2024, foram realizadas mais de 132 mil transações, impulsionadas pelas gerações X e Y, que cada vez mais participam de leilões online. As obras com preços abaixo de US$ 5.000 são as maiores responsáveis por esse boom. Cerca de 108 mil lotes nesses valores foram vendidos em um ano, o que equivale a 82% do valor total das obras contemporâneas leiloadas.
O segmento é alimentado pelas edições de artistas renomados como Takashi Murakami, Damien Hirst e Jeff Koons, bem como por street artists mundialmente famosos como o misterioso Banksy e KAWS, entre outros.
O Brasil não foge a essa tendência. Em 2023, a arte brasileira mostrou pujança, com um volume de negócios de R$ 2,9 bilhões, um salto de 21% em relação ao ano anterior. E não para por aí: a média de crescimento anual tem sido de 15%.
O rótulo de “mercado pequeno” já não cabe mais. O Brasil está ganhando espaço e já responde por quase 1% das vendas de arte no mundo, ou seja, 0,89% para ser mais exato.
A 7ª Pesquisa Setorial, feita pela Act Arte a pedido da Associação Brasileira de Arte Contemporânea (Abact) e da Apex Brasil, divulgada em janeiro de 2025, fez essa radiografia e revelou os resultados de 2023, um ano de fôlego depois da pandemia.
Vale ainda assinalar que 2024 foi outro ano e tanto para a arte brasileira no cenário internacional, com a curadoria de Adriano Pedrosa na Bienal de Veneza, o primeiro latino-americano a alcançar o posto máximo na renomada exposição italiana, e um número expressivo de artistas brasileiros com exposições individuais em instituições estrangeiras.
Desde a última edição da pesquisa, em 2018, houve a pandemia, cada vez mais galerias nacionais foram criadas e expandiram as atividades, com artistas promovendo seus trabalhos fora do país.
Desde a década de 1990, o setor depende de compradores locais, com uma média de 77% das vendas para esse público. Em contrapartida, o aumento de 24% no valor das exportações em 2023 indica uma expansão relevante no mercado externo.
Cinco países correspondem a 90% dos destinos de todas as exportações de arte a partir do Brasil. São eles, em ordem decrescente do valor comercial: Estados Unidos, Reino Unido, França, Suíça e Bélgica.
Do alto de mais de quatro décadas de atuação no ramo, o marchand Renato Magalhães Gouveia, de São Paulo, vê com bons olhos a democratização da arte.
Em março, realizou um leilão “de muito sucesso” com obras de Anita Malfati, Osgêmeos e Castagneto, entre outros artistas renomados.
A tela O Toureiro, de Malfati, de 1921, não era exibida há 30 anos e tinha lance inicial de R$ 700 mil. Foi muito disputada e arrematada por R$ 910 mil.
Já a obra Sem Título, de Osgêmeos, com lance mínimo de R$ 500 mil, ultrapassou a pintora modernista sendo arrematada por R$ 990 mil.
“Antes, eu anunciava os leilões nos jornais, hoje estou nas redes sociais”, declara o marchand. Ele se confessou feliz por ter tido que programar dez dias de visitação prévia aos lotes.
E mais: “Constatei que 90% dos arrematantes eram novos colecionadores e tinham menos de 50 anos”.
Na noite do leilão, mais de 300 pessoas acompanharam o evento pela internet. As queixas, felizmente, são poucas: “O academicismo está em baixa. Enquanto as galerias investem muito no marketing dos artistas que representam, os museus divulgam pouco os seus acervos. É preciso educar o público para entender a qualidade de uma obra de arte e alcançar gente nova”, ensina.
Dele discorda o curador de espaços públicos Marc Pottier. Francês, radicado no Brasil há duas décadas, Pottier assegura que existe uma “demanda gigante” por arte no país e que o público lota as mostras quando a proposta cultural é de boa qualidade.
Acumulando os cargos de curador do Museu Oscar Niemeyer, em Curitiba; da Usina de Arte, no distrito de Água Preta, a duas horas de Recife; e d’A Galeria, em Florianópolis, ele vai listando recordes recentes de visitação às mostras nesses espaços:
“No ano passado, seis dias antes da performance inaugural da artista Marina Abramovic tivemos 1.200 inscritos, na Usina de Arte, jovens em sua maioria. No mesmo ano, no Museu Oscar Niemeyer (MON), em Curitiba, a exposição da portuguesa Joanna Vasconcelos teve, em média, cinco mil visitantes nos dias gratuitos”, conta.
Pottier celebra a descentralização dos espaços fora do eixo Rio-SP como forma de valorizar a diversidade cultural do Brasil.
“É imprescindível celebrar a riqueza cultural brasileira em todas as facetas, da arte indígena às expressões urbanas e periféricas”, defende.
Seu projeto dos sonhos agora é o futuro Museu de Arte Contemporânea de Foz do Iguaçu, do qual é o coordenador internacional. Um empreendimento inovador, em parceria com o Centro Pompidou, um dos mais importantes museus de arte contemporânea do mundo, localizado em Paris.
O investimento é de R$ 200 milhões, e ele deverá ser inaugurado em 2026. “O Pompidou tem uma relação muito positiva com o Brasil, e esse intercâmbio será essencial para o futuro, permitindo que artistas brasileiros sejam expostos na França e vice-versa”, adianta.
Além dos leilões e museus, a arte contemporânea brasileira pulsa nas galerias e feiras. Em 2024, o país contava com 240 galerias de arte em atividade, concentradas principalmente em São Paulo (120), Rio de Janeiro (45), Belo Horizonte (18), entre outras capitais.
Também houve o crescimento do número de galerias em Recife, Fortaleza e Curitiba.
As feiras de arte, por sua vez, são imprescindíveis para aumentar o volume de transações e funcionam como uma espécie de termômetro do mercado.
Inaugurada justamente no dia do anúncio do tarifaço do presidente americano Donald Trump, a SP-Arte oscilou entre a cautela de colecionadores, preocupados com o movimento em Wall Street, e vendas milionárias.
Ainda que o balanço da maior feira do continente não tenha sido divulgado, Tomás Toledo, proprietário da Galatea, teve muito o que brindar. Afinal, vendeu uma das obras mais alentadas da SP-Arte: um mural em azulejos de Emiliano Di Cavalcanti, que ornava, anteriormente, um prédio de luxo na Avenida Atlântica, no Rio de Janeiro.
Comentava-se à boca grande, que saiu por R$ 9 milhões. Contudo, ainda tem mais R$ 2 milhões por um conjunto de peças de Rubem Valentim.
Por sua vez, Antonio Almeida e Carlos Dale, proprietários da megagaleria que leva o nome deles, festejavam a venda de uma tela de Beatriz Milhazes, pelo valor que pode ter sido o recorde da feira. Nada menos do que R$ 9,3 milhões.
Como em todo evento deste porte não faltaram lances bizarros. Uma visitante, em uma motoneta – isso mesmo! –, acabou atropelando uma escultura rara do ceramista Francisco Brennand. A peça se espatifou no chão e o vídeo do acidente teve 500 mil visualizações no TikTok.
Outro momento tenso foi a saia-justa entre Adriana Varejão e a marchande carioca Cássia Bomeny. A artista usou as redes sociais para reclamar que durante a SP-Arte, peças antigas dela estavam sendo vendidas pelo triplo do valor oferecido diretamente no ateliê.
Polêmicas à parte, a colecionadora e curadora Camilla Barella está a todo vapor com os preparativos para a quarta edição da ArPa, feira criada por ela, que terá lugar na Arena Pacaembu, em São Paulo, de 28 de maio a 1º de junho.
Serão 100 artistas, 50 galerias e 14 países convidados, como Estados Unidos, México, Colômbia, Espanha, Dinamarca, Líbano e República Tcheca.
Nomes de peso do circuito nacional e latino-americano estarão presentes nas variadas atividades da ArPa, que incluem visitas aos ateliês dos artistas, a coleções privadas e instituições.
As curadoras Eugênia Braniff, da coleção Femsa, do México, Laura Hakel, da Fundação argentina Ama, e o casal americano Ayesha Selden e Deven Southburn, membros de comitês da National Gallery of Art, em Washington, e da Tate Modern, de Londres, são algumas das estrelas da programação.
“Nossa proposta é potencializar diálogos, trazer diversidade, contribuir para a expansão da comunidade artística, mostrar produções de qualidade em variados suportes, trazer galerias que têm um trabalho construtivo para a valorização dos artistas e também formar público interessado em arte”, detalha Camilla Barella.