
Como acontece com qualquer DJ, é comum alguém ir perguntar a Rasmus Schack – metade da dupla Batukizer – o que ele está tocando na pista. O que é incomum – e notável – é isso acontecer no Brasil enquanto ele toca preciosidades da música brasileira – seja forró, carimbó ou reggae baiano dos anos 80 – para o público local. Afinal, Schack é tão dinamarquês quanto um (sanduíche) Smorrebrod ou a estátua da Pequena Sereia.
“É muito legal quando isso acontece porque mostra que dá pra fazer um set cheio de energia com artistas que não são muito conhecidos mesmo no Brasil”, ”, conta ele, falando em português bem claro, por videoconferência, direto de Copenhague. “Uma música que sempre causa essa reação é ‘Baianeiro’, do Nadinho da Ilha.
Antes que alguém pergunte, Nadinho da Ilha (1934-2009) foi um cantor e compositor carioca, nascido no Morro do Borel, na Tijuca, de voz potente, muitas vezes comparado a Jamelão. “Baianeiro” – um samba lançado apenas em compacto pela gravadora Odeon em 1973 e que hoje, com sorte, pode ser encontrado em sebos por cerca de R$ 200 – é um bom exemplo da trajetória fora do comum da dupla que Schack forma com Carla, sua companheira, e que vem se tornando uma referência na divulgação de sons do Brasil no exterior, seja em festas, festivais, programas de rádio, apresentações no YouTube ou através de mixtapes. “Eu sou autenticamente brasileira, viu?”, declara Carla, sorrindo, enquanto se ajeita no sofá, na sala de estar do apartamento do casal, que está junto há 25 anos e tem dois filhos.

Inicialmente batizado de Epic Vinyls from Brazil, o projeto reflete a crescente coleção de discos que os dois vêm acumulando em suas viagens ao país (Carla tem família no Rio e em Vassouras), principalmente Schack, que começou a carreira de DJ tocando hip-hop e drum and bass, até se transformar num brasilianista do ritmo. “Só conhecia os clássicos, Tim Maia, Jorge Benjor, até que, aos poucos, ao mesmo tempo em que meu português ia melhorando, fui descobrindo outros sons, profundos, espirituais, com muita batucada”, explica.
O ponto da virada foi em 2016. no festival Roskilde, o maior da Dinamarca, quando Schack, tocando num dos palcos alternativos, fez um set só de música brasileira. Na plateia, Carla se viu surpreendida. “Ele estava tocando aqueles discos de uma forma que eu, brasileira, não tinha percebido. Era um estrangeiro dando um outro olhar para a música do meu próprio país. Aquilo mudou minha cabeça”, diz ela, que, nos anos 90, fez parte do grupo vocal feminino Lilith, do hit “Todo amor é bom”.

O projeto ganhou força em 2020, durante a pandemia, quando Carla – que também é dançarina e formada em Letras – começou a discotecar ao lado de Schack. Já com o nome Batukizer (“O anterior parecia tese de mestrado”, brinca Carla), os dois começaram a fazer uma série de lives chamadas de “Kitchen mixes (porque tocavam na cozinha de casa). Os sets variados – de bossa nova a samba jazz – deram projeção e chamaram a atenção para a dupla (um deles, teve um milhão de plays). Quando a pandemia passou, foi a hora de colher os frutos. E a Batukizer foi para a pista.
Além de firmar uma residência mensal em Copenhague, Carla e Schack têm, desde 2022, aquecido pistas de cidades como Paris, Londres, Estocolmo e Lisboa. Seus bailes têm, indiretamente, um caráter educativo, mostrando ao público europeu que cabem muitos ritmos e gêneros dentro do rótulo “música do Brasil”. “Esse é um ponto realmente fundamental da Batukizer: ampliar a percepção do que é música de pista do Brasil, mostrar que não é só bossa ou mesmo baile funk”, diz Carla, que às vezes canta e toca percussão durante os sets. Ela também é instrutora da Future Female Sounds, uma escola de DJs para mulheres, sediada em Copenhague.

Mas são as turnês pelo Brasil – a próxima começa neste fim de semana – que servem de alimento para a Batukizer. “A gente tocou ano passado em Belém e foi incrível. Fiquei como pinto no lixo”, lembra Carla, que dessa vez teve que ficar na Dinamarca. Para Schack, essa é a oportunidade de sair garimpando sons novos nas lojas e sebos que encontra pelo caminho. “É uma atividade que pode ser cansativa porque precisa fazer muita barganha, já que os vinis estão cada vez mais caros, mas é muito legal quando você encontra uma joia perdida no meio das estantes”, conta ele, que valoriza os compactos. “São mais fáceis para viajar”.
Para a dupla, que está começando a produzir suas próprias músicas, tocar no Brasil é o desafiador momento de testar seu repertório – selecionado a partir de três mil LPs, mil compactos e algumas faixas digitais – para o público, supostamente, mais exigente de todos. “Nas primeiras vezes, ficava nervoso tocando música brasileira no Brasil, mas aprendi a relaxar e curtir junto com o público”, garante Schack.

Confira o top ten atual da Batukizer:
1) “Rio by night” (versão em português de “Empire state of mind”, de Alicia Keys) – Batukizer dubplate*.
2) “Xango Xango Xango” – Batukizer x Bernardo Pinheiro dubplate*
3) “Todo amor é bom” – Lilith (Joutro Mundo x Gaspar Muniz remix)
4) “Lindo lago do amor” – Luiz Gonzaga Jr: (12″ remix version)
5) “Mãe d’água é rica” – Os Tincoãs
6) “Deixa girar” – Luiza Maura
7) “Alagados” – Os Paralamas do Sucesso (Instrumental 12″ version)
8) “Descobrir” – Okvsho feat. Sreya
9) “Mágica bonita” – The Bongo Hop feat. Lucas Santtana
10) “Pifeiro malandro” – Jkriv feat. Gabriel Oliveira (Quantic DJ Kicks)
* – dubplates são faixas exclusivas, ainda não lançadas