João Paulo Siqueira Lopes é um homem do mundo. Recém-chegado de uma viagem ao Japão, conversa com um cliente armênio e a mulher dele, da Letônia, sobre uma obra que viram juntos no México. Enquanto isso, acompanha os avanços da casa que está terminando de construir em Barrinha, litoral do Piauí. Nada mal para um jovem de 36 anos, cuja trajetória costura artistas, galerias, coleções e vínculos pessoais em pelo menos três continentes.
João Paulo é também um homem trânsito: encerrou meses atrás um casamento e ocupa temporariamente um apartamento da família na rua Melo Alves, nos Jardins. Ao mesmo tempo, sete anos depois de fundar a consultoria artística e editora Act. junto do amigo Fernando Ticoulat, desligou-se do sócio, a quem não poupa elogios, para seguir em voo solo. Focada unicamente em art advisory, formação e gestão de coleções, a Panorama, sua nova empresa, foi lançada em março com um jantar e com uma festa paralela à SP-Arte.
“Nos últimos anos, tive uma atuação mais plural em projetos de curadoria, produção de exposições e publicações, mas decidi me concentrar na minha atividade principal que é também minha paixão: formar as melhores coleções de arte”, disse, no discurso do jantar-banquete oferecido a 48 convidados. Citando filósofos, como os franceses Bertrand Vergely e Gaston Bachelard ou como o sul-coreano Byung-Chul Han, seu statement lido em voz alta enfatiza a importância da beleza, do devaneio e da contemplação para enfrentar a aridez e os excessos da vida contemporânea.
“Arte existe porque a vida não basta”, diz a máxima de Ferreira Gullar que encerra a apresentação.
Na mesa estão clientes, mas também alguns dos principais galeristas do mercado, a quem ele faz questão de homenagear: Luisa Strina (“grande dama”), Thiago Gomide (“a personificação do bom gosto”), Carlos Dale (“dono do maior acervo e da maior eficiência do mercado”) ou Jaqueline Martins (“sempre intrigando pela inovação”), para citar alguns. A habilidade de dialogar com vários concorrentes, que pouco ou nada se falam entre si, é um dos grandes trunfos de seu trabalho, assim como o trânsito com galerias e instituições fora do país – ele é hoje um dos consultores da prestigiosa editora Phaidon Press para diferentes publicações envolvendo a América Latina.
Com um portfólio que flutua entre 30 e 50 colecionadores, João Paulo tem uma clientela que inclui do presidente de uma das maiores empresas de etanol a uma das mais importantes modelos brasileiras de todos os tempos. Segundo ele, aproximadamente 65% deles são brasileiros, espalhados por cidades como São Paulo, Lisboa, Miami…
“Cada cliente é um mundo. Alguns querem conversas constantes, outros, contatos pontuais. E é isso que me fez decidir não ter mais do que 50 ao mesmo tempo. Vira atendimento, e eu não vendo atendimento, vendo construção de um relacionamento”, explica, em tom ao mesmo tempo doce e assertivo.
Com sete pessoas no time, a Panorama ocupa escritório provisório próximo ao Hotel Pulso, em Pinheiros, enquanto João Paulo tenta traçar o perfil da nova sede: “Ainda não sei se vai ser um apartamento residencial, uma casa com cozinha… Hoje temos um lugar que funciona bem para a equipe, mas eu quero pensar num espaço que seja uma experiência para o cliente. Quero também um lugar tranquilo para ler, poder me concentrar numa pesquisa com a minha biblioteca bem organizada”.
Trabalhando com uma excelente “braço direito” em São Paulo e uma representante em Nova York, João Paulo estuda abrir um escritório na Europa para estar mais próximo do Velho Mundo e, principalmente, criar dali uma ponte para o mercado asiático, no qual ainda transita com moderação. A escolha de uma ou mais cidades-sede – Paris, Lisboa, Bruxelas, Londres, Milão – deve levar em conta tanto fatores fiscais quanto logísticos, além da vontade de ali fixar residência.
A relação com a França vem de longa data: embora se interessasse por cultura desde a adolescência – era um estudante de jornalismo frequentador da Sala São Paulo –, sua proximidade com as artes visuais nasceu no mestrado em art business que cursou em Paris a partir de 2010. De volta ao Brasil, trabalhou na ArtRio, sendo responsável por fazer a ponte entre a feira e as galerias estrangeiras.
Um salto importante veio quando foi convidado a integrar o time da londrina Lisson Gallery, onde passou três anos e meio como associado para a América Latina prospectando clientes latino-americanos ao mesmo tempo em que ajudava a internacionalizar artistas brasileiros.
“Aprendi com pessoas muito boas e continuo bem próximo ao dono da Lisson, Alex Logsdail”, conta. De lá para cá, a galeria passou a representar o espólio de artistas como Tunga e Hélio Oiticica (“conversas que começaram quando eu estava lá”) e se prepara para abrir, em setembro, uma exposição do brasiliense Dalton Paula.
“Acho que eu fui a segunda pessoa a comprar uma obra do Dalton, da primeira exposição dele na galeria Sé, quando a Sé ainda ficava na Roberto Simonsen”, lembra, celebrando o sucesso do artista.
De volta ao Brasil, João Paulo começou a pensar qual seria o próximo passo. Foi curador, ao lado de Marcello Dantas, da exposição inaugural da Japan House no Brasil e convidado a assumir posições importantes em algumas das grandes galerias – recusou. Foi numa conversa com Alessandra d’Aloia, sócia da Fortes d’Aloia & Gabriel (“uma espécie de porto-seguro para mim”), que lhe surgiu a possibilidade de uma atuação como advisor, figura então pouco difundida no Brasil.
“Falamos do vácuo que havia em relação a essa figura no Brasil na época, e ela garantiu que quem fizesse um trabalho bem-feito nesse sentido teria sucesso.” Nascia ali a semente do que viria a ser a Act e depois a Panorama.
Lançada oficialmente em março, sua empresa Panorama planeja escritório na Europa, mirando o mercado asiático
“Eu descanso pouco”, ele diz, como confissão sincera. Quando fora do trabalho intensivo de pesquisa e relacionamento no mundo da arte, João Paulo tem hobbies igualmente exigentes – ioga, corridas de longa distância e kitesurfing.
“Tanto a corrida quanto a ioga me interessam pelo que me trazem para além do esporte. A corrida, por exemplo, me ajuda muito a aterrar”, ele diz, mencionando ainda o fato de que as duas se encaixam bem na sua rotina de viajante. É também um fã de música, principalmente eletrônica: foi DJ na juventude e até hoje é frequentador de clubs em Ibiza ou Berlim.
A forma física anda em dia, mas a própria coleção de arte anda meio em segundo plano.
“Eu passo tanto tempo imbuído na coleção dos meus clientes que preciso criar um tempo e um espaço para pensar na minha”, diz. A última aquisição foi uma pintura de Maria Polo (“uma figura secundária na arte brasileira”) na [feira] Arpa de 2024.
“Eu me apaixonei completamente por ela. Tenho também uma pinturinha do Thiago Hattnher no quarto que eu adoro.”
Citando Anna Maria Maiolino, Jac Leirner, Mauro Restiffe como alguns de seus (tantos!) artistas brasileiros preferidos, ele menciona também o desejo de ter um “Homage to the Square” amarelo de Josef Albers (1888-1976).
“Eu gosto desses clássicos muito clássicos.” Seu panorama é vasto, claro e cheio de bons presságios.