“Queria poder explicar melhor pra você”, Gabriel Luna me diz. O ator de 42 anos e eu estamos tentando entender o episódio 2 da segunda temporada de The Last of Us, da HBO, “Through the Valley”, que estreou no último domingo. O episódio mostra o personagem de Luna, Tommy, indo para a linha de frente em Jackson quando uma onda de infectados invade os muros da comunidade. Se existe um episódio de The Last of Us que iguala o nível de escala, espetáculo e suspense de Game of Thrones, é esse.
Mas, por mais que tente, nem Luna entende totalmente como tudo aconteceu. Ainda assim, ele tenta.
“Vejo uma enxurrada de imagens”, diz Luna. “Estamos em cima do muro, um exército inteiro de dublês disparando munição. Toneladas e toneladas de cartuchos sendo ejetados de todas essas armas—eu escorregando em cápsulas de balas. Tinha neve falsa, basicamente pó branco de Cheetos voando pelo céu, porque filmamos na primavera. Eu correndo, dando sprints de 100 metros com botas de cowboy, pulando em cavalos e saindo cavalgando.”
Luna já limpou o sangue e a neve do rosto desde as filmagens. Agora está confortável em casa em Los Angeles, conversando comigo por Zoom sobre jaquetas de couro, seus videogames favoritos e como seu time adotivo da NHL, o Calgary Flames, pode chegar aos playoffs da Stanley Cup. (“Estamos numa sequência maluca”, ele empolga.) E, claro, as memórias do set de The Last of Us. “Tudo o que vejo são monstros em chamas correndo em minha direção, dublês e figurantes com próteses arrebentando janelas”, continua. “Era um caos absoluto. Um caos incrível, mas controlado.”
Luna já está acostumado a grandes cenas de ação. Em 2016, empunhou correntes flamejantes como Motoqueiro Fantasma em Agents of S.H.I.E.L.D. da Marvel. Em 2019, enfrentou Arnold Schwarzenegger em O Exterminador do Futuro: Destino Sombrio. Mas “Through the Valley” é o maior episódio de The Last of Us até agora, com cenas cheias de tiros que garantem mais uma hora imperdível na série.
Embora os fãs do jogo já esperassem o desfecho devastador, a série segue por um rumo diferente, que Luna acredita ser uma escolha melhor. Mas o que o alivia mesmo é não precisar mais guardar segredo. “Me sinto leve como uma pluma”, diz Luna, rindo. “É terapêutico. Adoro falar sobre isso—o incidente que leva todos à queda, à vingança, à raiva e à sede de sangue que não parece ter fim. Mal posso esperar para o mundo ver. Vai dar o que falar por muito tempo.”
A seguir, Gabriel Luna comenta os bastidores do episódio mais sangrento da temporada—o que não é pouca coisa para uma série como The Last of Us.
ESQUIRE: No seu Instagram, você fixou três posts com seus papéis em três universos: Marvel, O Exterminador do Futuro e The Last of Us. O que esses três personagens significam pra você?
GABRIEL LUNA: Fixei porque esses três trabalhos significaram muito pra mim. Principalmente na execução e no quanto foram importantes em cada etapa da minha carreira. Motoqueiro Fantasma foi minha introdução ao alcance global. Exterminador tem um legado incrível—uma franquia com mais de 40 anos. E em The Last of Us, entrei de novo em uma história amada. Foi tudo que esperei e mais.
Reparei que você curte jaquetas de couro e shearling. Os papéis como Motoqueiro Fantasma ou Tommy influenciaram seu gosto?
[Risos.] Me dá até arrepio pensar quantos bois já foram sacrificados pro meu guarda-roupa. Mas não tem nada como uma jaqueta de couro bacana. Tive uma nos meus 20 anos e fui adquirindo outras com o trabalho. É função e estilo pra mim. Gosto de andar de moto, então é bom ter. E moro em Los Angeles. Precisa de uma jaqueta preta legal quando você se muda pra cá. É quase obrigatório.
Em The Last of Us, 25 anos se passam entre as temporadas. Como você transmite esse envelhecimento do Tommy?
Muito pelos trejeitos. Lembro do meu avô e do meu tio Freddy. E já tô meio quebrado—joguei futebol, desloquei patela e ombro. Essas dores me ajudam a viver o personagem. Também tem a maturidade de se tornar pai, ser chefe da segurança, guardar os segredos entre Joel e Ellie. Em certo sentido, Tommy é a cola da família. Tudo isso pesa. E a gente ralou no set. Não é difícil parecer cansado e exausto.
Seu pai faleceu antes de você nascer. Como foi interpretar Tommy como pai na segunda temporada?
Foi algo formativo na minha vida—minha mãe virou viúva aos 15. Histórias de pais e filhos sempre me tocaram. A arte ajuda a vivenciar isso por tabela. Já tive figuras paternas, mas ainda é um pouco estranho pra mim. É emocionante encarar isso. Fiz um filme chamado The Astronaut, em que interpreto um pai que fica na Terra. Aceitei esse papel muito por causa disso—pra ver que qualidades isso despertaria em mim.
Tommy virou líder em Jackson. Você acha que, com o histórico militar, esse é o papel ideal pra ele?
Essas são as habilidades que ele tem. Esse foi o treinamento dele. Na primeira temporada, o Joel diz que ele é alguém que se junta a causas—um idealista. Agora vemos isso na prática. Sempre digo que ele é leão e cordeiro. Já vimos o lado sensível e bem-humorado. Mas quando tudo que ele ama é ameaçado, o leão aparece. É isso que líderes devem fazer. Usar a força pra proteger os outros.
Dois anos atrás, você disse que estava estudando a cena do jogo onde Abby mata Joel. Como se sentiu ao saber que Tommy não estaria presente na morte de Joel na série?
Na primeira temporada, conversei com o Craig [Mazin] e o Neil [Druckmann]. Será que Tommy revelaria a identidade do Joel tão facilmente? Como veterano experiente e protetor de Jackson, ele seria tão confiável com estranhos? E depois ser nocauteado e incapaz de proteger o irmão? Sempre me incomodou um pouco. Aí o Craig disse: “Não se preocupe, tenho uma ideia.” Antes da greve dos roteiristas, ele começou a desenvolver o enredo e me mandou um texto enorme explicando onde Tommy estaria. E foi de arrepiar. Fiquei empolgado. No texto, ele dizia que eu estaria em Jackson enfrentando uma horda. Pensei: “Isso é incrível.” Depois soube que o Mark Mylod dirigiria. Estávamos seguindo o legado de batalhas épicas estilo “Battle of the Bastards”, de Game of Thrones.
Como seria Tommy sem Joel?
Já fui a muitos funerais. Tento pensar que a gaiola abriu e agora a alma está livre, de volta ao todo. A ideia da morte me traz esperança. Um dos meus lemas é “Memento Mori” – lembrar da morte para viver melhor.
Nesse caso, me inspirei em perdas repentinas, como a do meu primo Adrian, que morreu aos 44 de câncer no fígado. Tem uma cena que vem logo depois dos eventos do segundo episódio—não vou entrar em detalhes, mas há uma passagem de bastão, digamos. Senti que não era só na história, mas também no set e na produção. É triste, mas o mundo se abre.
Fale sobre a execução da grande sequência de batalha em Jackson.
Tivemos o grande Mark Mylod, que entende de cenas grandiosas. Ele equilibra bem a linguagem cinematográfica com o que importa nos personagens. Fiz todos os treinamentos: armas, cavalgadas, combate. Gravamos essa cena ao longo de três semanas… Todos os dias ele explicava passo a passo o que iríamos fazer. Isso trazia calma, mesmo com o medo. Ele tem uma voz ótima e clareza de visão.
Me conta tudo sobre o lança-chamas.
A última vez que vi um, eu tinha oito anos, no Museu da Segunda Guerra em Fredericksburg, perto de Austin. Eles acenderam e senti o calor mesmo a 15 metros de distância. Quando li o roteiro e vi que usaria um, fiquei animado. No jogo, o lança-chamas marca uma virada. Não apareceu na primeira temporada. Coube a mim apresentá-lo à audiência.
Como foi o treino com ele?
Foi assim: dirigi 1h30 até o set, me deram o lança-chamas por 3 minutos, disseram “o Gabe manda bem” e fui embora. Mas era um equipamento muito legal. Os técnicos controlavam o gás fora da mochila. A cada tomada, acendíamos o piloto e fazíamos testes. Era divertido—todo mundo olhando enquanto eu lançava aquela coluna de fogo na câmera. Como não tinha gás dentro, era mais leve.
Você assistiu a filmes com lança-chamas como preparação?
Vi todos que lembrei. Era uma Vez em Hollywood, Aliens, The Last Man on Earth—tem uma cena incrível em que Vincent Price queima zumbis usando máscara de gás, e os reflexos das chamas aparecem nela, tudo em preto e branco. Vi tudo isso só pra entender o legado que eu estaria entrando.
Você dublou em Secret Level. Você é gamer mesmo?
Bom, tenho isso aqui. [Luna mostra um controle do PS5 com arte inspirada em Keith Haring.] Comprei na Comic-Con junto com o PS que a Sony me deu. Tenho também um Switch, que está parado. Estive trabalhando muito. Mas amo histórias nos jogos: Red Dead, Ghost of Tsushima, Skyrim, Metal Gear, tudo do Kojima. Sou criança dos anos 80.
A Marvel está trazendo personagens de volta. Você toparia voltar como Motoqueiro Fantasma?
Já tinha deixado essa ideia pra trás. Mas com a direção da Marvel e o multiverso, reabriu essa possibilidade. Ninguém me chamou, o telefone não tocou. Mas é um personagem que amo. Ainda consigo fazer fisicamente tudo que ele exige. Parece assunto inacabado, já que íamos fazer uma série do Motoqueiro Fantasma e tudo foi reorganizado. Resumindo: sim, toparia. Parece divertido.
Com sua experiência em ação na TV e no cinema, onde entra essa sequência da HBO em termos de escala e complexidade?
Em todos os casos, há pessoas indo além do esperado. Em Motoqueiro Fantasma, os técnicos e dublês me ensinaram coisas que nem consegui mostrar ainda. Em Exterminador, tivemos um bom orçamento e um produtor apaixonado por cinema. A luta final com o Arnold e a Linda levou seis, sete dias pra filmar. Em rede aberta, gravávamos um episódio inteiro em oito dias. A batalha de Jackson tem 15 minutos e levou um mês pra filmar. O nível de investimento da HBO é extraordinário.
Esta entrevista foi originalmente publicada na Esquire US