Com uma carreira multifacetada, Jim Jarmusch virou o cineasta queridinho do público cinéfilo. Quase como um diretor cult que, mesmo fazendo alguns filmes de gosto questionável, ainda pode ser maior do que o “bom” ou “ruim” – amamos amar, mas também amamos odiar. Das últimas produções, destacam-se Patterson (2016) e Amantes eternos (2013), cada um à sua maneira sobre paixões que cruzam fronteiras. Esse núcleo íntimo, interno de alguém transborda e retorna no novo Pai, mãe, irmã, irmão, que esteve em cartaz na Mostra de São Paulo.

A história é dividida em três partes, como contos literário-cinematográficos. A primeira, e mais engraçada, acompanha Jeff (Adam Driver) e Emily (Mayim Bialik) em uma viagem de carro para visitar o pai em sua casa afastada de tudo – inclusive deles. Perto de um lago semi congelado pelo inverno rigoroso da região, o senhor admira a natureza, toma chá à tarde e confunde os tempos de vida. Ou ao menos é isso que o personagem do ótimo Tom Waits quer que eles pensem.

Esse patriarca espirituoso demonstra estar com pouco dinheiro para as reformas caríssimas e necessárias na residência, por isso precisa viver modestamente pela conta bancária nem tão privilegiada quanto as dos filhos bem sucedidos. Ele oferece água, chá e histórias desconexas para deixar as visitas confusas, com pena, numa espécie de narrativa tragicômica. O distanciamento afetivo entre os três é cultivado pela direção, que faz cenas emocionalmente desconfortáveis, quase como se a audiência também fosse um convidado também inesperado.
A mesma fórmula se repete na segunda parte, que mostra a reunião anual de uma mãe e suas filhas num chá da tarde típico inglês, com doces, bolos e canapés de dar inveja em qualquer família real. A mãe (Charlotte Rampling) é uma escritora de sucesso, com livros best-sellers de títulos duvidosos, a filha mais velha, Timothea (Cate Blanchett), ganha a vida como historiadora e a mais nova, Lilith (Vicky Krieps), é uma influencer com vício no celular e em bolsas vintage.

O silêncio marcado pelo tilintar dos talheres, pelos goles nas xícaras de porcelana e pelos breves elogios aos quitutes é quebrado com frases que não passam da segunda linha de diálogo. Diante de uma certa opulência, mora o vazio das três, apesar de ser visível certo carinho cultivado entre elas. Seus respectivos segredos também ficam suspensos pelas pistas do roteiro, mas nunca chega-se a alcançar o coração delas.
A terceira e última anedota é focada nos irmãos gêmeos Skye (Indya Moore) e Billy (Luka Sabbat), que estão em Paris para resolver o inventário familiar após o falecimento dos pais. Eles zanzam pelas ruas cheias de memória, tomam um café no restaurante da esquina e conversam sobre os sonhos interrompidos, a saudade e como lidar com o que fica. A relação de ambos parece mais próxima que os anteriores, talvez pela sensação de acolhimento que um irmão proporciona para além da relação triangulada pelos pais – mesmo que aqui a presença deles seja simbólica.
Em visita ao apartamento que cresceram, olham fotos antigas, documentos, caixas com coisas aleatórias guardadas desde a infância e tentam entender como vão seguir com toda aquela bagagem. O que deixar, o que jogar fora? É uma pergunta central para as relações familiares, que em determinado momento da vida precisamos fazer. A última história deste filme parece indicar algo imprescindível para as anteriores funcionarem: saber o ponto certo entre o que é seu e o que é do outro, para evitar situações constrangedoras de tão burocráticas.
Apesar de ser visível a intenção de Jim Jarmusch de alcançar esse lugar das relações familiares num contemporâneo fragmentado, Pai, mãe, irmã, irmão parece passivo demais em relação à própria história. Depois do primeiro conto, o longa se repete não de maneira interessante, mas pacata, apoiando-se em conexões inesperadas – que vão da paleta do figurino até um relógio rolex – para cativar a audiência em busca de respostas invisíveis.