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Arquitetura e som: fotógrafo alemão Wolfgang Tillmans expõe suas obras na Bienal de São Paulo

Conhecido por suas imagens de clubes, juventude e cultura queer dos anos 1990, ele trabalha com mídias analógicas, digitais e registros sem câmera

Wolfgang Tillmans caminha tranquilamente pelo prédio da Bienal de São Paulo. Somos apresentados por Thiago de Paula Souza, cocurador da 36ª edição do evento, e imediatamente peço alguns minutos de papo. Enquanto conversamos, seus olhos se desconcentram e insistem em procurar a luz que atravessa as venezianas dos janelões projetados por Oscar Niemeyer. Ele se desculpa, saca uma pequena câmera digital da bolsa de pano e pede licença para fotografar os feixes amarelados. Aliviado, ele agora ajusta o foco na conversa.

O fotógrafo alemão nascido em 1968 foi o primeiro artista não britânico a receber o Turner Prize, em 2000, consolidando-se como uma das vozes mais influentes de sua geração. Ficou famoso nos anos 1990 quando suas imagens de clubes, juventude e cultura queer romperam a fronteira entre registro documental e arte contemporânea. Clicou para revistas como “i-D”, “NME”, “Purple” e registrou artistas como Eminem, Björk, Frank Ocean e os britânicos do Blur. Passeou pelo analógico, pelo digital e até pelos registros sem câmera, como na série em que usa luz sobre papel fotográfico com resultados abstratos que lembram pigmentos ondulando na água.

Foto: Wolfgang Tillmans

Wolfgang já ocupou instituições como Tate Modern, MoMA, Centre Pompidou e Moderna Museet, além de ter suas obras incorporadas às principais coleções do mundo. É também conhecido pelo ativismo político, especialmente em temas ligados à comunidade LGBTQIA+, democracia e direitos humanos. Agora, seu trabalho pode ser visto na Bienal de São Paulo com fotografias e uma instalação inédita que dialoga com arquitetura e som, reforçando sua capacidade de expandir os limites do que entendemos como imagem. Conversar com Tillmans é testemunhar o pensamento de um olhar sempre atento aos assuntos encobertos pela escuridão dos tempos e uma voz questionadora e inquieta.

Foto: Wolfgang Tillmans

Esquire Brasil: Seu trabalho é bastante associado ao retrato da contracultura da juventude dos anos 1980 e 1990. Você fazia esses retratos com pensamento documental ou eles apenas aconteciam espontaneamente?

Wolfgang Tillmans: As fotografias de jovens que fiz aconteceram em parte porque eu mesmo era jovem e fotografava as pessoas ao meu redor. Não porque fossem jovens, mas porque eram pessoas, seres humanos. Não fiquei preso à juventude e sim no meu interesse por pessoas. Mas, claro, muitas vezes um novo músico é jovem. Então, mesmo que eu não seja mais jovem, ainda aparecem jovens no meu trabalho. Nunca tive o intuito de fazer algo documental. Eu apenas estava lá e aquilo era o que eu via.

Na infância, você já sentia que queria ser artista?

Inicialmente, eu queria ser cientista.

Que tipo de ciência?

Astronomia.

Seu interesse pelo espaço continua até hoje?

No trabalho exibido na Bienal de São Paulo, há também um vídeo de três minutos do planeta Vênus, filmado através de um telescópio. Dá para ver algo que parece a Lua, como um crescente, mas na verdade é Vênus. O movimento que se vê é o movimento da rotação da Terra ampliado pelo telescópio. Essa observação está no centro do vídeo. Meu intuito é fazer uma reflexão sobre o tempo. O que é difícil, porque passar um minuto olhando para algo já é um desafio. Hoje tudo é muito rápido. Nossa relação com o tempo está alterada. Quando criança, eu passava horas olhando pelo telescópio. Acho que isso foi a base para eu fazer arte.

 

Foto: Wolfgang Tillmans

 

 

Quem lhe deu o telescópio?

Foi algo que comprei com economias. Guardei dinheiro de dois Natais e um aniversário. Todos os parentes contribuíram.

Você era uma criança introspectiva?

Acho que era introvertido e extrovertido ao mesmo tempo. Tinha muito desejo de compartilhar minhas paixões, mas também era introspectivo. Na adolescência, surgiu um lado meu mais extrovertido: roupas, música, dança, cultura dos clubes, o ambiente das raves. Foi transformador. Entendi uma possibilidade de expressão pessoal do corpo que nunca havia experimentado, mas também tinha esse lado da ciência e da espiritualidade.

É curioso notar como, desde criança, você já queria trabalhar com observação e com a busca da luz. Em que momento você se reconheceu como artista?

Tive a sorte de não ter sido descoberto. Eu mesmo me descobri. Isso aconteceu por volta do meu aniversário de 18 anos, durante uma viagem de trem pelo sul da França, na costa atlântica. Naquele dia, fiz um autorretrato olhando para mim mesmo: camiseta, perna, joelho, pé na areia. Foi um gesto de autoafirmação: “sou um artista”. Curiosamente, muitas pessoas não conseguem decifrar essa imagem. A camiseta rosa parece uma forma abstrata. É meu primeiro autorretrato e também minha primeira foto abstrata. De certo modo, é a foto número 1 da minha trajetória.

Você foi uma pessoa bastante ativa em projetos sociais durante a pandemia. Como o coronavírus afetou seu trabalho?

É interessante você perguntar isso em 2025. Em 2020, não tínhamos distanciamento suficiente para entender algum impacto. Mas as repercussões ainda ecoam: populismo, autoritarismo, mudanças sociais que talvez nunca se recuperem. Tudo isso só estamos visualizando agora e, aos poucos, meu trabalho também é afetado, mesmo que não perceba objetivamente. Nem todos conseguimos admitir para nós mesmos os erros e as lições diante do que aconteceu. Mas ainda espero que possamos aprender algo com esse período e reagir.

 

Foto: Wolfgang Tillmans

 

E como ficou sua saúde mental durante esse período?

Sinto que tive sorte porque a Alemanha não precisou ficar muito tempo fechada. Pude estar ao ar livre com frequência. Mantive-me ativo e organizei um projeto de caridade que ajudou 100 organizações em 17 países a arrecadar mais de um milhão de dólares, com cartazes criados por 50 artistas colaboradores. Fiz isso com apenas três assistentes. Mantive-me ocupado com ativismo, um tipo de ativismo que funcionou também como um trabalho psicológico. Eu não podia ficar parado diante de tudo o que estava acontecendo.

O que você acha que torna suas fotos reconhecíveis?

Acho fascinante que alguém reconheça meus trabalhos, e essa é a maior prova de que a fotografia é uma mídia psicológica. A atitude por trás do trabalho artístico ou por trás da câmera sempre aparecem. Meu interesse pelos objetos dos meus registros é genuíno, não pode ser fingido. Por isso, mesmo que meu modo de fotografar tenha influenciado outras pessoas, só meus retratos parecem meus. Enquanto meu interesse for verdadeiro, eu espero fazer fotos interessantes e que possam ser percebidas como minhas, porque o que existe por trás delas são os meus pensamentos e a forma como eu olho para o mundo.

Você tem alguma fé ou prática espiritual?

Desde cedo tive um lado espiritual, muito ligado aos cânticos de Taizé, uma comunidade francesa que me acompanhou por toda a vida. Mas, conforme fui ficando mais velho, me desiludi com religiões organizadas. Para mim, qualquer pessoa que diga saber o que Deus pensa é profundamente antiespiritual. Hoje é chocante ver muitos religiosos, até mesmo praticantes do cristianismo fazendo exatamente o oposto do que Jesus pregava. As megaigrejas evangélicas, por exemplo. Jesus provavelmente as veria como as maiores pecadoras. Para mim, quando a espiritualidade se torna exibição de símbolos, ou uma forma de se colocar como um iluminado acima dos outros, ela se corrompe. A humildade é essencial, espiritualmente e politicamente.

 

Foto: Wolfgang Tillmans