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Tadao Ando: o poeta do concreto que constrói com a luz

Único arquiteto a conquistar os quatro prêmios mais prestigiosos em sua área — Pritzker, Carlsberg, Praemium Imperiale e Prêmio Kyoto —, Tadao Ando completa 84 anos fiel aos seus princípios naturais do início de tudo. Leia a entrevista exclusiva

Se a arquitetura de Tadao Ando estivesse no céu e não na terra, suas obras seriam nuvens. Elas refletem a luz, são espelhadas na água, habitam seu fundo silenciosa e suavemente. São feitas principalmente de concreto, sim, mas isso não é um paradoxo. O renomado arquiteto japonês molda o material há décadas com leveza poética e visão espiritual para dar vida a edifícios essenciais, com uma pegada minimalista, discretamente integrados ao seu contexto, os antípodas do lado pesado da decoração.

 

 

Sempre foi assim, com projetos aclamados em várias partes do globo, incluindo a ilha de Naoshima, onde o Novo Museu de Arte foi inaugurado recentemente. Único a conquistar os quatro prêmios mais prestigiosos em sua área — Pritzker, Carlsberg, Praemium Imperiale e Prêmio Kyoto —, Tadao Ando formou-se arquiteto como autodidata. Não por escolha, mas por necessidade. Na juventude, exerceu diversas profissões, incluindo boxe, experiência que aprimorou sua força e resiliência — qualidades úteis para uma carreira longa e feliz.

Nascido em 1941, hoje exibe a paixão dos primeiros dias, fiel aos princípios de quando tudo começou. Confira na entrevista:

 

 

Chiara Corridori: Como nasceu seu amor pela arquitetura?

Tadao Ando: São muitas as experiências que aprofundaram minha paixão. Entre elas, a descoberta das obras de Le Corbusier, na adolescência, e a profunda comoção pelos espaços dos edifícios históricos que visitei, aos 20 anos, no Japão e no exterior. Mas a primeira centelha surgiu aos 14 anos. Na época, eu morava com minha avó em uma casa de madeira térrea. Para transformá-la em uma residência de dois andares, contratamos um jovem carpinteiro do bairro. Durante o mês de trabalho, depois da escola…

 

CC: O que a arquitetura representa para o senhor hoje?

TA: É tanto a minha profissão quanto a única forma que tenho de dialogar com a sociedade. É por isso que, para mim, fazer arquitetura é inseparável de viver. O ato de construir significa viver.

 

CC: Sob essa ótica de não dualidade, qual é o papel do arquiteto?

TA: A arquitetura é um produto da sociedade. Com a mudança da sociedade, a arquitetura também muda. Naturalmente, o papel que se espera dos arquitetos também muda com o tempo. No entanto, acredito que a verdadeira essência da profissão — dar forma à visão do futuro — é imutável. É nosso dever e responsabilidade traduzir emoções, desejos e sonhos invisíveis em espaços concretos e entregá-los às futuras gerações.

 

CC: Se a arquitetura muda de acordo com a sociedade, quais são as urgências da atualidade?

TA: A arquitetura está inevitavelmente conectada às questões contemporâneas. Hoje se discute o que a arquitetura deveria mudar e como se adaptar às transformações sociais. Antes de nos apressarmos em mudar, acredito que deveríamos parar e nos perguntar: o que deve ser protegido? O que deve permanecer inalterado? No centro dessa transformação está a rápida evolução da tecnologia da informação. No entanto, por mais que ela avance, a natureza humana continua a mesma; continuamos…

 

CC: Quais são os princípios fundamentais para criar algo belo e duradouro?

TA: Como todas as obras criadas pela mão humana, a arquitetura está destinada a se deteriorar e desaparecer. Talvez seja o desejo humano de resistir a esse destino que deu origem à arquitetura de pedra no Ocidente ou ao sistema japonês do Shikinen Sengu no Santuário de Ise, onde as estruturas sagradas são periodicamente reconstruídas. Eu, se possível, desejo criar uma arquitetura que não dependa do material ou da forma para durar, mas que viva como uma lembrança, eternamente nos corações das pessoas.

 

CC: Como se realiza uma arquitetura que permaneça na memória?

TA: Existem muitas abordagens. Mas em vez de exibir formas e ornamentos, escolho reduzir tudo à essência, buscando um espaço puro onde emerja a força silenciosa capaz de falar à alma humana.

 

CC: O senhor começou desenhando casas. Como é a moradia ideal?

TA: As casas que realizo muitas vezes têm plantas e espaços que não são universais nem convencionais. Quando me perguntam por que as construo assim, digo sempre que uma moradia deve ser um lugar onde o espírito possa encontrar paz. Mas as pessoas são todas diferentes, portanto a forma de uma moradia deve ser distinta para cada indivíduo.

 

CC: A tradição construtiva japonesa privilegia a madeira, mas o concreto é seu material de preferência. Por quê?

TA: No início, escolhi o concreto simplesmente por sua eficiência econômica ao unificar interior e exterior de um edifício. Mas, depois de usá-lo, descobri o enorme potencial do material. Sua plasticidade permite explorar formas e obter múltiplas expressões. Então pensei: quero criar algo que ninguém mais consiga fazer com o meio mais comum do nosso tempo.

 

CC: Isso ainda é assim?

TA: Esse simples espírito de desafio é o que ainda hoje me motiva a continuar trabalhando com concreto. Dito isso, é um material realmente difícil de manejar. Meu tipo ideal é delicado e liso ao toque, alinhado ao senso estético dos japoneses, que têm familiaridade com construções de madeira e papel. Mas não é nada fácil obtê-lo. Misturar água, cimento e cascalho e despejar tudo em uma forma parece simples, mas é muito complexo. Para alcançar o resultado perfeito, experimentei incessantemente a proporção entre água e cimento, o posicionamento da armação e os painéis das formas. No entanto, esses são desafios de projeto. O trabalho concreto é feito pelos operários da construção. A qualidade do concreto depende do quanto de orgulho eles colocam em seu ofício. É aí que, para mim, reside a verdadeira essência da arquitetura.

 

 

CC: A coexistência com a natureza é um tema recorrente em seu trabalho. Que papel ela desempenha no seu processo criativo?

TA: Para mim, a natureza é literalmente a fonte da vida. Os seres humanos fazem parte dela, e estar em harmonia com ela é, na minha visão, nosso destino. Por isso, quando penso em arquitetura ou paisagem, imagino sempre um futuro em que o edifício se integre suavemente ao verde ao seu redor. E quando crio espaços para a existência humana, o que considero mais importante é desenhar um lugar onde as pessoas possam dialogar com a natureza. Para mim, o símbolo dessa interação é a luz.

 

Tadao Ando (Foto: Tisch)

 

CC: Que é outra constante no seu trabalho.

TA: Na arquitetura, a luz funciona como um fragmento da natureza e também como sua abstração. Com o tempo ela muda, e seu delicado jogo com as sombras dá vida ao espaço entre as paredes. Percebi que é possível criar arquitetura apenas com luz. Para mim, a luz é pura esperança.

 

CC: Para encerrarmos, como o senhor se sente hoje, como homem e como arquiteto?

TA: O poema Youth, de Samuel Ullman, descreve melhor meu estado de espírito atual. Ele diz: “A juventude não é um período da vida, é um estado mental…”, e também: “Ninguém envelhece apenas por viver certo número de anos…”. Enquanto o coração receber mensagens de esperança, permanecemos jovens, mesmo aos 80 anos.