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Gilberto Gil: “O traje é uma continuidade da persona, do espelho, é a pergunta: ‘Como é que estão me vendo?’”

Aos 83 anos, o cantor Gilberto Gil estrela a campanha de lançamento da marca H&M no Brasil e falou pessoalmente com a Esquire Brasil sobre sua relação com o vestir, a influência da moda durante a carreira e as expectativas para o fim das turnês

Viver no mesmo tempo em que Gilberto Gil é um privilégio que qualquer brasileiro — e estrangeiro interessado — nascido no último século goza por natureza. A presença de Gil é um patrimônio cultural. E a H&M percebeu.

A marca sueca, que abre sua a primeira loja no Brasil neste sábado (23), no shopping Iguatemi São Paulo, elegeu Gil como a grande estrela masculina da campanha de lançamento no país. Mesmo que o objetivo comercial inicial da marca seja conquistar o público feminino (a loja do Iguatemi não terá coleção masculina — o masculino chega ao e-commerce hoje e ao shopping Anália Franco, em setembro), trazer o cantor como face da marca neste momento atinge outro pilar de estratégia.

Em entrevista à Esquire Brasil, Daniel Érver, CEO do grupo H&M, justifica a escolha de Gil dizendo que, para eles, é importantíssimo que o consumidor brasileiro saiba que a marca tem muito respeito e reconhecimento pela cultura brasileira — e ninguém melhor do que o cantor de 83 anos para personificar essa mensagem. O CEO faz questão de frisar que ter trabalhado com profissionais brasileiros em toda a concepção do projeto foi crucial para gerar a conexão genuína com o público.

A campanha também é estrelada pelas cantoras Anitta e Agnes Nunes, que dividiram o palco com Gil e a cantora sul-africana hit no TikTok, Tyla, em uma grande festa armada pela H&M na última quarta-feira (20), no Auditório do Ibirapuera, em São Paulo.

Antes de subir ao palco, Gilberto Gil falou com exclusividade à Esquire Brasil sobre a relação com a moda durante toda sua trajetória e quais as expectativas após o fim da sua atual turnê Tempo Rei, anunciada como a última da carreira.

Leia a seguir:

 

Esquire Brasil: A roupa que você veste faz diferença em como você se sente?

Gilberto Gil: Sim, faz diferença. Acho que o traje é uma continuidade da persona, da pessoa, do espelho, da forma como você se vê no espelho, que também é, de certa forma, uma projeção de como você acha que está sendo visto pelos outros. “Como é que estão me vendo?” Isso tem influência no comportamento, no modo como você fala, como se posiciona. Acho que tem algo que vem de fora, não é só interioridade pura e simples. É também a exterioridade, né?

 

E, falando sobre isso: em toda a sua discografia, desde Louvação (1967) até agora, houve algum momento em que a moda foi mais presente, mais marcante na sua música — como parte da mensagem?

Sim, houve momentos. Quando me tornei um artista pop — pra usar uma expressão facilmente compreensível —, passei a levar em conta vários elementos além da expressão corporal e da própria vestimenta.

Teve uma época, por exemplo, em que usei uma lua e uma estrela desenhadas na cabeça. Houve também a fase em que alisei o cabelo, seguindo um pouco as tendências da época, adotadas por outros artistas e jovens em geral.

As calças boca de sino, depois mais ajustadas… as grifes, tanto brasileiras quanto internacionais, que ditavam a moda juvenil também me influenciaram. Já nas fases mais recentes, contemplando o envelhecer e o fim da maturidade, passei a usar roupas mais compostas, mais sérias.

 

Você tem uma fase favorita, que guarda com carinho?

Hoje, vendo os registros — fotos, filmes — acho que cada um desses momentos tinha sua força, sua expressividade. E, de certa forma, eu estava integrado a todos eles. Estava bem, estava contente.

Claro, há críticas também. Tem momentos que, se eu fosse eu hoje naquela época, faria diferente. Tem coisas que acho mais bonitas, outras nem tanto.

 

Hoje mesmo eu estava escutando o álbum Realce (1979). E é curioso você mencionar o momento em que alisou o cabelo, porque tem uma música [Sarará Miolo] em que você fala sobre isso — “parar de querer cabelo liso”. Quando você passou por essa fase, era uma experiência pessoal ou já havia ali um gesto político?

Foram várias motivações. Durante a vida toda, especialmente depois da adolescência, eu sonhava com cabelos lisos. Então, de certa forma, isso não chegou a me determinar, nem a me impedir, mas havia algo ali.

E, veja: para o artista, para quem lida com arte, com esse campo da espiritualidade movediça, experimentar fragmentos do seu próprio sonho não é um problema. Ao contrário: é uma maneira de acrescentar elementos à sua realização, à sua própria expressão. Naqueles momentos, eu achava que estava fazendo algo bom.

 

Pra gente encerrar: você está na sua última turnê. Há uma expectativa para vida após esse encerramento ou está mais próximo do mistério?

Com o tempo, o mistério vai se manifestando de várias formas. No corpo, por exemplo: há a questão da dor, da viscosidade comparada à decrepitude… Uma série de elementos.

Eu não tenho muita expectativa sobre qual seria o modo mais correto ou habilidoso de se colocar diante do envelhecimento. Acho que o próprio corpo vai determinando isso: a questão das energias, da sustentação, do equilíbrio, as forças nas pernas, nos braços Essas coisas vão se insinuando de forma diferente da juventude. E cada um vai se adaptando a essas novas circunstâncias como pode. No meu caso, isso tem acontecido de forma natural, no corpo mesmo.

 

Gilberto Gil (Foto: Hick Duarte/Divulgação H&M)