Toda vez que vejo uma vela inflada por uma das praias do Ceará, penso como a invenção de um esporte pode mudar completamente a vida de centenas de pessoas. Cidades pacatas, às vezes isoladas, e até recentemente desprezadas pelo turismo de luxo, como Preá, Icaraizinho de Amontada e Barra Grande (no Piauí), estão sendo remodeladas. Para os kitesurfistas, essa extensa faixa de areia do nordeste brasileiro, especialmente entre junho e dezembro, é o paraíso: vento constante, mar tranquilo e água quente. Se quando os esportistas europeus descobriram isso décadas atrás havia pouca estrutura, hoje o cenário é muito diferente. Francês rico gosta do rústico, brasileiro rico nem tanto. Por isso, alguns dos melhores hotéis estão sendo moldados para atender o gosto dos exigentes esportistas nacionais, em sua maioria paulistas e cariocas, muitos do mercado financeiro, que se apaixonaram pelo kite – e diga-se, esporte cada vez mais praticado por mulheres. O que se vê, atualmente, é o crescimento de locais cinco estrelas para melhor atender os praticantes.
A consequência vai muito além da transferência das folhas de carnaúba das vastas plantações para tetos de hotéis estrelados. Está na geração de emprego, por exemplo. Se antes São Paulo era o destino de grande parte dos jovens locais em busca de vida melhor, hoje muitos se tornaram instrutores de kite ou trabalham para o turismo fomentado pelo número cada vez mais crescente de kitesurfistas.
E um dos precursores dessa transformação é o Casana, que fica no Preá, a 280 quilômetros de Fortaleza e a apenas 20 minutos do aeroporto de Jericoacoara. O lugar se resume a sete bangalôs de até 100 metros quadrados (muitas famílias gostam de alugar todos de uma vez e assim passar seus dias com ainda mais privacidade). Dois deles dispõem de piscinas privativas de borda infinita e todos têm banheiros com área a céu aberto, equipada com uma jacuzzi, um segundo chuveiro ou as duas coisas. O que impressiona no Casana é a atenção aos detalhes. Todos os funcionários sabem seu nome. Se na sua primeira refeição você pedir água sem gás, essa informação vai circular entre o staff e, das outras vezes, eles vão trazer a natural sem te perguntar. Se prefere ovo com gema mole, carne malpassada e até um determinado tipo de repelente para usar na pele, idem.
Café da manhã, almoço e jantar estão inclusos, mas nada, obviamente, de bufê – e os horários são flexíveis. O menu, comandado por André Wunderlich (ex-Tuju e Dinner in the Sky), varia diariamente e chega no seu celular antes de você se sentar à mesa. Com tempo, o hóspede pode escolher entradas, pratos e sobremesas que serão degustados mais tarde – inclusive sugerir algo. Confesso que tenho um pouco de medo de cardápios mutantes, mas isso dá muito certo no Casana graças ao talento do chef e ao rico litoral cearense. Não dá para perder o churrasco de frutos do mar, preparado à noite, com lagostas, camarões, peixes, polvo e lulas frescos.
O Casana é um dos melhores hotéis do Brasil, sem dúvida, mas você não vai aproveitar ele ao máximo se não velejar ou pelo menos tentar aprender o kitesurfe. Velejadores sabem a dor nas costas e pernas depois de horas no mar – pergunte a quem pratica wingfoil, por exemplo. E o Casana propõe nove tipos de massagens, todas feitas em uma maca aquecida. Assim que você chega ao hotel, todo seu equipamento é separado e levado para a guarderia na praia. Basta dizer a hora que você quer velejar e, quando chegar na areia, instrutores vão cuidar de tudo para você – vale tanto para kite quanto para wingfoil. O melhor é na volta. Como o esportista só sai do mar exausto, é ótimo saber que sempre alguém virá te ajudar a desinflar a vela, guardar a prancha e ainda oferecer água, água de coco ou cerveja gelada. Esqueça qualquer tipo de trabalho: você está ali para relaxar. Caso não saiba a diferença entre kite e prancha, não tem problemas. Instrutores prestativos vão estar à disposição para te ensinar. Dependendo do tempo que ficar lá, pode sair praticando o esporte – dez horas no mar são suficientes.
O Casana é iniciativa da ex-modelo cearense Natália Laurindo Furland, formada em artes plásticas pela University of the Arts London, e do sueco Jimmy Furland, empreendedor do setor de tecnologia. Fica evidente que o casal já se hospedou nos melhores hotéis do mundo, entendeu tudo e esse background ajudou a montar o Casana. A experiência deu tão certo que agora eles vão abrir mais uma opção para kitesurfistas em busca de conforto, no Delta do Rio Parnaíba, no mesmo litoral. O hotel ocupará toda a Ilha do Caju, naquele espaço entre Maranhão e Piauí, e terá 35 suítes. A previsão de abertura é no ano que vem.
O Delta está apenas a 70 quilômetros de Cajueiro da Praia, onde fica o hotel Koloa, o melhor da região e destino de quem quer fazer kitesurfe no Piauí. A Barrinha e Barra Grande concentram velejadores que aproveitam a incrível variação de maré. Dependendo da hora, o mar fica tão raso que aprender o esporte é brincadeira de criança. O aluno pode ser levado pelo vento porque, por centenas de metros, vai dar pé. Mesmo em frente ao hotel é possível velejar.
Logo na recepção, o Koloa mostra seu comprometimento com o design nacional com poltronas Astúrias de Carlos Mota expostas. Ao todo são 26 suítes, de quatro tamanhos diferentes. Algumas têm piscinas exclusivas.
Outro grupo que aposta na comodidade para atender kitesurfistas é o Carnaúba Wind House, clube no qual estão sendo investidos R$ 250 milhões, situado no Preá. Trata-se da oferta gratuita de todos os itens necessários – pipas, wings, pranchas e foils –, que os funcionários deixam a postos a qualquer hora, além de se encarregarem da desmontagem e da limpeza. Os kitesurfistas precisam apenas se dirigir até a praia, a poucos passos, para praticar – outra opção é solicitar um carrinho de golfe.
O programa começa, via de regra, depois do caprichado café da manhã servido no restaurante Bora – este ladeia uma lagoa de água doce ao redor da qual funciona um beach club. Inclui pedidas como toast com creme de castanha, mix de cogumelos e mel trufado e suco de beterraba com laranja, cenoura e limão. Na hora do almoço ou do jantar, a cozinha expede pratos como crudo de robalo e paella com lagosta, polvo e camarão. Já o bar prepara drinques como o whiskey forest, união de cajá, xarope de rapadura, suco de limão siciliano e uísque single malt.
O Carnaúba Wind House foi inaugurado em outubro com sete bangalôs – outros 20 estão prometidos para este ano. Sócio da empresa que está tirando o clube do papel, o Grupo Carnaúba, Eduardo Juaçaba conta que já há 230 associados, entre os quais Pedro Matos, um dos maiores nomes do kite no país, o chef Felipe Bronze, o ex-judoca Flávio Canto e a jornalista Glenda Kozlowski. “Nosso público-alvo são os kitesurfistas que estão na faixa dos 30 aos 50 anos e que querem praticar o esporte com a família por perto – sem entediá-la e sem perrengue”, resume o empresário. “Lá, além de conforto, encontro tudo o que preciso para me aprimorar no esporte”, diz Matos, quarto colocado no ranking masculino da Global Kitesports Association (GKA).
Lá há ainda academia, spa, quadra de beach tennis e lojas, entre outros atrativos que não necessariamente têm a ver com o kite. Os sócios podem se hospedar com familiares ou convidados em bangalôs com 1, 2, 3 ou 4 suítes – os títulos dão direito a determinado número de créditos, que são convertidos em diárias. Bangalôs maiores demandam uma quantidade maior de créditos, assim como as datas mais concorridas. O título de entrada custa R$ 236.250 e permite de 1 a 2 semanas de hospedagem por ano. Já o mais alto, de R$ 725.000, dá direito a até 8 semanas. Também há o de R$ 181.250, que não inclui hospedagem, e permite a utilização da estrutura 30 dias por ano. As mensalidades oscilam entre R$ 400 e R$ 2.400.
Este é só um dos empreendimentos previstos pelo Grupo Carnaúba para a região – o terreno adquirido pela companhia no Preá soma 12 milhões de metros quadrados. No ano passado, foi inaugurado um condomínio de casas, o Vila Carnaúba. Dos 230 lotes, 120 já foram vendidos. Para 2027, está prevista a inauguração de um hotel que será operado pela rede tailandesa Anantara. Projetado pelo arquiteto Miguel Pinto Guimarães, deverá custar R$ 160 milhões e fazer do Preá um destino ainda mais badalado – para kitesurfistas ou não.
O arquiteto carioca também está envolvido com outro projeto no Preá, a Casa Siará. O lugar é capitaneado por Julio Capua, ex-sócio e fundador da XP Investimentos, que transformou o que seria sua casa de veraneio em um hotel butique com apenas oito suítes, todas voltadas para o mar. É literalmente pé na areia. Até por volta das 11h, a praia em frente é propícia ao banho. Desse horário em diante, os ventos alísios dão início ao show de pipas dos kitesurfers. A duração das estadas varia, sobretudo para os que desejam praticar o esporte. Iniciantes acabam por passar ao menos uma semana na Casa Siará (estima-se pelo menos dez horas de aula para você começar a seguir sozinho).
Saindo do Preá, rumo a Fortaleza, tem a joia cearense Icaraí de Amontada, ou Icaraizinho. Nessa linda praia, o pouso seguro para quem quer praticar o esporte com toda a comodidade é o Club de Mar. Inaugurado há três anos, dispõe de 23 habitações – com piscina privativa de borda infinita, as maiores somam 210 metros quadrados. “Os kitesurfistas representam de 50% a 100% da nossa ocupação”, diz Pedro Monteiro, gerente comercial do empreendimento. Ali, você tem a chance de ocupar uma casa inteira, em frente ao mar, para toda sua família. O hotel também tem instrutores e guarderia para equipamento de kite. Dado o enorme sucesso com essa turma, os mesmos donos estão erguendo um segundo hotel, mais luxuoso, num terreno próximo. Será o Acqua de Mar, com inauguração prevista para o segundo semestre.
Um pouco mais afastado, ao sul de Fortaleza, o Rio Jaguaribe, no trecho em que ele se confunde com o mar, no município de Fortim, encontra-se o Jaguaribe Kite Center, ligado a uma trinca de hotéis, o Vila Selvagem, o Jaguaribe e o Jaguaríndia. “É a melhor escola de kite do estado”, gaba-se Alejandro Ureta, que dirige esses empreendimentos todos. O centro de aprendizagem tem cerca de 20 instrutores, que podem ser contratados para ensinar ou apenas monitorar, à distância, o desempenho dos hóspedes sobre as águas, para o caso de algo dar errado. “Nesse trecho, a água do Rio Jaguaribe é salgada e os ventos são mais brandos do que na chamada costa oeste do estado”, afirma o diretor. Quer mais adrenalina? Basta dirigir ao mar, a poucos quilômetros. A escola, como é de imaginar, aluga todos os equipamentos necessários. Para quem tem o hábito de levar os próprios aparatos, o Jaguaribe Kite Center se encarrega do armazenamento e da limpeza, além de compartilhar informações sobre as condições dos ventos ao longo da estadia.
Dos três hotéis, o Jaguaríndia é o mais sofisticado e o mais recente. Inaugurado em 2021, dispõe de 30 habitações, sendo que alguns dos bangalôs – todos cobertos com palha de carnaúba – têm direito a piscina privativa. Com borda infinita, a piscina comum, semiolímpica, parece uma extensão do Rio Jaguaribe, logo à frente. O Ywy spa e a quadra de beach tennis destacam-se entre as demais opções de lazer do local. “Focamos nos praticantes de kite, mas também queremos que os familiares deles desfrutem muito bem da visita”, resume Ureta.
*Colaborou Daniel Salles