Daniela não é carrancuda, nem grossa. “Sou ansiosa, obstinada e muito pragmática. Não gosto de perder tempo pensando se vou fazer isso ou aquilo”, diz a empresária. Imagine que você – por um passe de mágica ou uma graça do destino – tivesse todos os boletos pagos até o fim da vida. Nenhuma despesa pela frente: supermercado, mensalidade, nada. Se isso acontecesse, você continuaria a trabalhar no que faz?
Aos 48 anos, Daniela Binatti não demorou nem um milésimo de segundo para responder: sim. Continuaria trabalhando porque, segundo ela, gosta do que faz. O detalhe é que Daniela – diferentemente da maioria – tem, praticamente, todas as despesas garantidas até o fim da vida. Em 2023, vendeu a Pismo, empresa que criou há nove anos, por US$ 1 bilhão para a Visa. Em reais (cotação de abril de 2025), o equivalente a quase R$ 6 bilhões — valor suficiente para comprar, por exemplo, a rede de shopping centers Iguatemi, que tem valor de mercado semelhante.
“Trabalhar é uma das coisas de que mais gosto, além de ir para o interior aos fins de semana e ficar com meu marido, minhas filhas Julia e Livia, de 18 e 15 anos. Tem também meu cachorro, o Bolt”, diz.
Parece clichê? Mas Daniela é justamente o oposto do estereótipo da executiva da Faria Lima que acorda às 5h, corre, veste salto e blazer. “Odeio usar salto. Odeio usar blazer”, afirma. Não usa maquiagem nem ostenta joias. Prefere jeans e tênis confortáveis. Ela não corre, não joga beach tennis. Mas acorda cedo porque divide o dia entre dois fusos horários: de manhã, acompanha Bristol, na Inglaterra. Depois do almoço, pausa para as filhas e a academia. No fim da tarde, retoma no horário da Califórnia e só encerra às 20h.
Tudo isso porque continua à frente da Pismo, fundada em 2016 com o marido, a irmã e um ex-chefe. Foi a primeira empresa baseada em nuvem a registrar, autorizar e cadastrar digitalmente operações de cartões de crédito. Hoje atende clientes em dez países, como Citi, BTG, B3, Cora, @Pay, Asaas e o argentino Brubank.
“Antes de nós, tudo era feito em computadores físicos da década de 1960, muito antigos”, conta. Quando explica o que a Pismo faz, muita gente duvida que tamanha revolução não existisse antes em outros lugares. Daniela já respondeu milhares de vezes às mesmas perguntas: “A Pismo foi mesmo a primeira? E quem comanda é uma mulher?”.
As pessoas se espantam por ela ser mulher, brasileira e ter empreendido aos 40. “Me acostumei a dar entrevistas, palestras. Isso ajuda muito na imagem da companhia. No começo, precisei de um Rivotril para subir ao palco. Hoje é tranquilo. Até me ajuda a clarear as coisas na cabeça”, diz. A imagem é importante porque os clientes são bancos — e não é fácil negociar com eles. “Se já chegam sabendo quem sou, o que a Pismo faz, isso diminui a assimetria”, explica.
Antes da compra pela Visa, a desproporção era ainda maior. De um lado da mesa, uma startup; do outro, um grande banco. Agora, com a chancela da maior operadora de cartões do mundo, a conversa ficou menos desigual.
Daniela cresceu em Sapopemba, Zona Leste de São Paulo. Os pais estudaram até a 4ª série. A mãe era costureira da Alpargatas; o pai, operário em estamparia. O sonho deles era que as filhas trabalhassem em banco. Aos 16 anos, Daniela entregou currículos na Paulista, a pedido da mãe.
Ela odiava a escola pública que frequentava — alunos batiam em professores, não havia estrutura. Mas se encantou com os cursos de programação em Clipper e Cobol na SOS Computadores. Ganhou bolsa no Mackenzie para estudar processamento de dados.
Um dos primeiros empregos foi num call center. Lá, foi convidada a ajudar a desenvolver um sistema de pagamentos — embrião do que viria a ser sua trajetória. Aos 24 anos, já era diretora da empresa, com vida confortável na Zona Sul.
Confortável, mas exaustiva: trabalhava sem descanso até sofrer um embolismo pulmonar. Foi no hospital que decidiu mudar de vida. Pediu demissão e foi ao Vale do Silício estudar o futuro dos pagamentos. Voltou com a ideia da Pismo.
Os pais acharam arriscado. Daniela chegou a vender o carro para pagar a escola das filhas. Foram anos de negociações difíceis — o Itaú, primeiro cliente, levou dois anos para assinar contrato.
A pandemia de 2020 mudou tudo. Com o dinheiro físico em queda, os pagamentos digitais explodiram. A Pismo, que tinha 40 funcionários, contratou mais 250.
No fim de 2022, a Visa pediu reunião. Gostou do modelo e fez a proposta de compra. Daniela resistiu: “Não estamos à venda”. Um ano depois, fechou negócio. Continuaria no comando.
“A Dani é muito obstinada. Foi a idealizadora e não ia abrir mão da Pismo tão fácil”, conta a irmã Juliana, sócia e braço direito. Parecidas fisicamente, são diferentes no temperamento. “Muita gente vê a gente como a gêmea boa e a gêmea má das novelas”, brinca Juliana.
Daniela ri da fama de durona. “Sou ansiosa, obstinada e pragmática. Não gosto de perder tempo.” Essa ansiedade, acredita, até ajuda: “Imagino todos os cenários possíveis e isso me acalma”.
E a vida de milionária? Viagens, iates, restaurantes estrelados? Ela até aproveita, mas não se descola do trabalho. Na semana anterior à entrevista, pagou US$ 2 mil por ingresso para levar a família à final do Miami Open, onde Djokovic perdeu para o tcheco Jakub Mensik. Mais uma disputa assimétrica. Talvez, no fundo, Daniela goste mesmo é delas.