Generic selectors
Exact matches only
Search in title
Search in content
Post Type Selectors

s

Seja Breve: nova editora é a melhor notícia no mercado literário nacional nos últimos tempos

Livros curtos, temas inusitados e atuais e um projeto gráfico primoroso

Tenho uma teoria de que as ideias mais simples, daquelas bem fáceis de explicar, são em geral sinônimo de negócios revolucionários ou, no mínimo, muito bem-sucedidos. A Seja Breve só prova que minha teoria tem fundamento. Editora independente fundada por dois escritores veteranos e amigos de longa data, Bernardo Ajzenberg e Cadão Volpato, a Seja Breve parte de um princípio bem simples: nenhum livro deve ter mais que 200 páginas, todos num formato pocket, que lembram coleções históricas como a série “Primeiros Passos”, da editora Brasiliense.

Só que a Seja Breve não é uma editora temática, o que torna a história muito mais interessante. Ficção e não ficção, pequenos ensaios, memórias, novelas, contos, poemas e eventuais peças de teatro em um ato – cabe tudo por aqui. Desde que o que se tem para falar (ou escrever) seja relevante não ultrapasse cento e poucas páginas.

“A Seja Breve acompanha o ritmo de leitura disperso e estilhaçado que tem sido uma característica do nosso tempo. Acreditamos que pequenos livros são um antídoto para o veneno, porque ler ainda é o melhor remédio, e apostamos na excelência e relevância contemporânea daquilo que publicamos”, diz o músico-jornalista Cadão Volpato, agora também editor.

Menos de um mês após ter sido lançada, a ideia (e o formato) já se mostram vencedores. Na primeira leva foram lançados cinco livros, com temas bem distintos, das memórias do jornalista Fábio Altman sobre seu tio-avô ícone do pugilismo nacional, Éder Jofre, até um ensaio de Eugênio Bucci sobre os primeiros anos do governo Bolsonaro.

“O príncipe do boxe”, livro de Altman, teve todos os exemplares esgotados na noite de lançamento. Já o de Eugênio Bucci, “Que não se repita – A quase morte da democracia brasileira”, foi o terceiro mais vendido no primeiro fim de semana da Feira do Livro realizada no Estádio do Pacaembu, em meados de junho.

“Sempre gostei de livros curtos. Quando estava morando em Nova York, entre 2019 a 2024, costumava visitar a galeria David Zwirner, perto de casa, que tinha uma coleção de livros pequenos, e curtos, muito bonitos, tratando de temas inusitados dentro do universo das artes plásticas, e da qual virei colecionador. Logo que voltei ao Brasil, encontrei fortuitamente o Bera, começamos a conversar, ele brincou e disse que queria ser meu sócio quando fosse abrir alguma coisa no Brasil.”

Bernardo Ajzenberg, o Bera, é proprietário do sebo Tucambira, em Alto de Pinheiros (SP), foi militante da Libelu ao lado de Cadão, e pensou no início em fazer com o amigo um podcast sobre literatura. Volpato veio com a ideia da editora inspirada na David Zwirner, só que com temática mais livre e eclética. “Livros curtos, colecionáveis, com estética atraente e abordando assuntos relevantes, bem escritos, logicamente, porque somos ambos escritores.”

O nome Seja Breve resume perfeitamente o propósito da editora. Bera trouxe a experiência na parte administrativa da Cosac Naify, Cadão foi editor de cultura dos maiores jornais e revistas do país. O projeto gráfico de Paola Giavina Bianchi e as capas todas com uma ilustração de Volpato arrematam a ideia breve, mas brilhante.

Os primeiros cinco livros da editora reúnem histórias e reflexões que vão direto ao ponto com inteligência e imaginação. “Pretendemos descobrir autores e autoras ou revelar o lado B de escritores consagrados, sempre com um pequeno formato simples e atraente”, resume Cadão. Vida longa à Seja Breve!

 

“Notícias do trânsito”, Cadão Volpato

Um pai do século 20 e um filho nascido na divisa com o século 21. Dois mundos subitamente tomados por uma grande revolução: o filho decide por conta própria fazer a transição de gênero, toma hormônios e muda de nome. O pai tem que se haver com essa transformação e com o novo mundo que se abre a partir dela. Nada será como antes.

“Notícias do trânsito” – uma história verdadeira – é conduzido no tempo preciso em que as revelações se apresentam, acompanhadas por dúvidas, angústias e agitações. Dúvidas, angústias e agitações do lado do pai, pois o filho – agora para sempre a filha – já vive a plenitude da nova descoberta. Tem um novo nome, e o novo nome e o novo gênero precisam ser entendidos e assumidos pelo pai do século 20, que conclui, afinal, com as próprias descobertas: que não é preciso entender para amar, e que não perdeu um filho, ganhou uma filha.

Cadão Volpato foi um dos fundadores do Fellini, banda independente com inúmeros discos gravados, e é autor de uma dúzia de livros de ficção e não ficção, entre eles os romances “Pessoas que passam pelos sonhos” (Cosac Naify, 2013) e “Abaixo a vida dura” (Faria e Silva, 2024). É também, ao lado de Bernardo Ajzenberg, um dos editores da Seja Breve.

 

Ilustração Cadão Volpato

 

“Despaixão”, Paula Lopes Ferreira

Num país em que a violência doméstica contra as mulheres é quase naturalizada, com números crescentes de homicídios muitas vezes praticados pelos homens mais próximos, o texto inaugural de Paula Lopes Ferreira impressiona pela carga emotiva, pela reflexão brutal e desbragada das brutalidades físicas e psicológicas de que os homens são capazes para dominar suas parceiras e submetê-las às velhas convenções do machismo operante. Mas se fosse apenas isso, talvez não deixasse marcas tão indeléveis na leitura.

“Despaixão” celebra a vida e o renascimento das cinzas onde o amor já não significa mais nada, a não ser uma licença para matar, mas o faz com uma imaginação plena, que surpreende ao se deixar contaminar por um senso de humor inesperado e uma linguagem tão nova que parecia não existir antes desse livro único, surpreendente, às vezes cruel, mas profundamente humano.

Paula Lopes Ferreira nasceu em São Paulo, em 1980. Psicóloga com atuação clínica voltada ao cuidado com as mulheres, também tem passagem pelo mercado publicitário. Este é o seu primeiro livro.

 

Ilustração Cadão Volpato

 

“O príncipe do boxe”, Fábio Altman

Embora se aproxime da forma romanesca, ainda que breve, “O príncipe do boxe” é mais um acerto afetuoso com o passado familiar, a partir de fatos biográficos e memórias compartilhadas. Conta a história incrível de Waldemar Zumbano, um dos pilares da família de pugilistas que deu às luzes do ringue o maior campeão brasileiro de todos os tempos, Éder Jofre. Neno, como era chamado, foi um pugilista comunista (ou comunista pugilista, dependendo da situação).

Levantando a folha corrida exemplar do avô, Fábio Altman persegue, com argúcia de repórter e alma de escritor, os feitos notáveis de um esportista e cavalheiro dos punhos que foi preso pela ditadura Vargas, treinou companheiros e carcereiros na cadeia, chefiou os pugilistas da delegação olímpica de 1964 e chegou a ser chamado de “Príncipe” por um dos príncipes da poesia brasileira, entre outras aventuras.

Fábio Altman é jornalista com 40 anos de carreira. É um dos redatores-chefes da revista “Veja”. Cobriu as olimpíadas de 1992, 2000, 2012, 2016 e 2024. Esteve nas Copas do Mundo de 1990, 1994, 2006, 2010, 2014, 2018 e 2022. Acompanhou de perto a primeira Guerra do Golfo, a Guerra Civil na Argélia e o cerco a Sarajevo. Mas lembra mesmo, com orgulho, da tarde em que esteve frente a frente com Muhammad Ali, nos Jogos de Barcelona – a quem não teve coragem de dirigir palavra.

 

Ilustração Cadão Volpato

 

“Lugares para chorar no Recife e outros”, DJ Dolores

Com verve e dotes de cronista, DJ Dolores conduz o leitor pelos recantos inesperados de lugares tão diferentes quanto Recife e Abu Dhabi, na companhia de motoristas de táxi, figuras misteriosas da vida noturna de toda parte e gente ilustre como Gonzagão, Naná Vasconcelos, Gilberto Gil, Chico Buarque e Lia de Itamaracá, sempre num ritmo que às vezes tem o gingado do frevo, mas também o compasso lento das memórias mais afetivas, como se ele fosse o Antônio Maria do Manguebeat, à maneira do cronista e compositor recifense e dentro da cena musical que Dolores viveu ao lado de companheiros como Chico Science.

DJ Dolores é o pseudônimo de Hélder Aragão, nascido em Propriá, Sergipe, em 1966. Compositor, designer e roteirista, foi um dos pioneiros da cena MangueBeat, que revolucionou a música brasileira a partir dos anos 90. Este é o seu primeiro livro.

“Que não se repita – A quase morte da democracia brasileira”, Eugênio Bucci

Para refrescar a memória, vale a pena lembrar o cotidiano vivido pelos brasileiros durante o governo de Jair Bolsonaro. Seria cômico se não fosse desastroso. Da catastrófica condução da saúde pública durante a pandemia, passando pelas agressões ininterruptas à cultura e aos jornalistas e chegando à tentativa de golpe de Estado pela qual o mandatário está por responder nos tribunais, nada desse dia a dia desgovernado passou incólume neste livro demolidor e imprescindível, para que não se esqueça dos perigos que continuam assolando a democracia brasileira.

Eugênio Bucci é professor titular da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da Universidade de São Paulo (USP) e superintendente de Comunicação Social da mesma universidade. Foi secretário editorial da Editora Abril e, durante o primeiro governo de Luiz Inácio Lula da Silva, presidente da Radiobrás. É membro da Academia Paulista de Letras.