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Paulo Vieira abre as portas do seu apartamento-galeria à Esquire Brasil

A maior parte da coleção de mais de 700 itens do advogado carioca Paulo Vieira — que vive na ponte aérea Rio–Faria Lima — fica em seu apartamento paulistano, no bairro da Bela Vista. Ali, mesmo os quartos dos filhos receberam obras de arte. Entre os mobiliários, criações de Jean Gillon e Claudia Moreira Salles

Segunda-feira, 8h30 da manhã, o advogado carioca Paulo Albert Weyland Vieira recebe a Esquire Brasil em seu apartamento na rua Antônio Carlos, na Bela Vista, em São Paulo.

À mesa de jantar da Artefacto, cercada de cadeiras da Novo Rumo — adquiridas no antiquário Thomaz Saavedra — e encimadas por um lustre FontanaArte, serve-se um café da manhã tão frugal quanto saudável, com mamão papaya, mirtilos, cereais e iogurte natural.

 

Foto: Pablo Saborido

 

Vieira se prepara para mais uma semana de trabalho no endereço paulistano do escritório que fundou em 1995, no Rio — o Vieira Rezende —, presente desde 2005 também em São Paulo, na região da avenida Faria Lima. Foram justamente as pontes aéreas frequentes entre a sede carioca e a filial paulistana que o levaram a optar por uma segunda morada na capital paulista.

“A Paulista é onde São Paulo melhor reflete sua urbanidade, melhor do que muitos bairros”, afirma. “Você está perto do Masp, do Instituto Moreira Salles, do Sesc, entre outras instituições que formam um corredor cultural e um zum-zum-zum de que eu gosto muito”.

A trajetória de Vieira é singular. Filho de Violet, uma californiana de ascendência alemã, e de Milton, um fazendeiro mineiro, nasceu no Rio de Janeiro, caçula e temporão da família. Em 1989, ingressou ao mesmo tempo em História na UFRJ e em Direito na PUC-Rio. Acabou optando pela segunda carreira.

Fez mestrado em Cambridge, na Inglaterra, e voltou nos anos 1990 ao Brasil, quando o país iniciava uma onda de desestatizações e concessões de serviços públicos, nos governos Collor e FHC. A venda da Vale estava entre elas. Vieira tinha menos de 30 anos e participou dessas privatizações.

Nos anos 2000, começou a levar parte de sua expertise como advogado à gestão cultural — uma iniciativa que, em 2022, culminou com sua nomeação para a presidência do Conselho Internacional da Tate, tornando-se o primeiro não-europeu no cargo. Antes, teve atuações e funções administrativas diversas na EAV, na Casa França-Brasil e no MAM Rio, onde atuou como diretor executivo.

Sua iniciação nas artes visuais se deu ainda na infância, nas viagens ao exterior com a mãe, uma habituée de museus. Mas seu envolvimento com o meio aconteceu em maior parte por meio do amigo de adolescência Adriano Pedrosa, curador da 60ª Bienal de Veneza (2024) e diretor artístico do Masp.

Também formado em Direito, Pedrosa estudou na Escola de Artes Visuais do Parque Lage, no Rio. Levava o amigo ao imponente casarão do Jardim Botânico, onde Vieira fez amizade com artistas da Geração 80, como Leonilson (1957–1993), Beatriz Milhazes e Daniel Senise — de quem comprou sua primeira obra de peso.

Vieira também atribui à amiga Luisa Strina — que em 2024 completa 50 anos à frente da galeria que leva seu nome — grande influência sobre suas escolhas, assim como ao marchand Marcantonio Vilaça (1962–2000).

De Vilaça, guarda uma memória insólita: quando o marchand morreu, a galeria Camargo Vilaça, de que era sócio, não sabia que obras de seu programa estavam “convivendo” com o advogado — como Vilaça gostava de dizer antes de proceder com uma eventual venda. Havia cerca de uma dúzia. Vieira confirmou com a galeria com quais ficaria e devolveu as demais.

Para ele, o modus operandi de Vilaça revelava uma grande vontade de formar um mercado colecionador — mesmo que de forma informal.

Por mais de uma década, Vieira concentrou seu colecionismo em paisagens — de artistas brasileiros como Rivane Neuenschwander e Vik Muniz, e estrangeiros como o alemão Thomas Struth e o japonês Hiroshi Sugimoto. Em seguida vieram os mapas. Da representação paisagística e cartográfica, passou à figuração humana, com atenção a trabalhos de artistas indígenas como Jaider Esbell (1979–2021), Denilson Baniwa e Daiara Tukano, e artistas negros como Arjan Martins.

A eles, juntaram-se nos últimos anos obras em diálogo com a arquitetura: criações do cubano Carlos Garaicoa, do venezuelano Juan Araujo, e ainda dos brasileiros André Griffo, Fefa Lins, Osvaldo Carvalho, Agrade Camiz e Adriel Visoto.

Findo o café da manhã, Vieira propõe uma visita guiada ao apartamento, que ocupa todo o 9º andar do edifício Abaúna — projetado por Eduardo Kneese de Mello e Joel Ramalho Jr. no início dos anos 1960. Para manter a privacidade dos quartos, a fachada é revestida com estruturas vazadas de madeira cabreúva. Já a sala de estar tem janelões generosos, do chão ao teto.

 

Foto: Pablo Saborido

 

À época da compra, o valor do apartamento teria sido convidativo. A explicação, segundo Vieira, era sua localização no “unfashionable side” da Paulista — o lado “fora de moda” da avenida, voltado para o centro. A frase, ele diz, foi pinçada de A importância de ser Ernesto, do irlandês Oscar Wilde.

Apesar do acervo de mais de 700 peças, o acúmulo está longe de ser a lógica do espaço. Mobiliários de antiquário convivem com design contemporâneo, num projeto que privilegia os espaços vazios — como defendia Oscar Niemeyer —, onde as relações visuais são estimuladas e os encontros, gerados de forma natural.

Em cerca de 500 metros quadrados, paredes com dimensões generosas conferem destaque às obras — como num cubo branco de galeria. A maior parte do acervo está hoje em São Paulo: a umidade e a maresia carioca ameaçavam sua conservação.

“Quando eu peguei este apartamento, a ideia era fazer dele uma galeria”, diz o advogado. “Era uma casa para mostrar a arte, para receber pessoas que vinham aqui ver a minha coleção, então ele não funcionava como um apartamento residencial”.

 

Foto: Pablo Saborido

 

Com a chegada dos filhos — Miguel (2019) e Maria Fernanda (2022) — veio a decisão de transformá-lo “numa casa para a família”.

“E filhos são como oxigênio: se tem espaço, ele ocupa. Não importa o tamanho.”

A missão de equacionar crianças e arte foi confiada ao escritório Ecko Engenharia, de Cheker Miguel Haddad Cury, e ao arquiteto Pedro Coimbra. O projeto equilibra detalhes clássicos e elementos modernos, com metal, madeira (boiserie), mármore e vidro.

“O objetivo era fazer com que o apartamento fosse muito confortável, com uma sensação de casa, com o pé-direito o mais alto possível, com luminosidade farta, porque a grande ideia era fazer com que os quadros se destacassem”, conta Cheker Cury.

O piso original foi mantido. No hall de entrada, há trabalhos de Jaider Esbell e Adriel Visoto. Na sala de jantar, aquisições mais recentes: Arjan Martins, Alex Cerveny e André Griffo — parte da coleção voltada à figura humana e ao diálogo com a arquitetura.

Na sala de estar, convivem paisagens tradicionais, urbanas e cartográficas. Os tapetes Punto e Filo da sala de jantar e do closet foram idealizados por Cheker Cury. No corredor que leva aos dormitórios, há uma divisão entre obras dos anos 1980 e 1990 (como quatro de Leonilson) e outras cartografias.

Ali também fica uma espécie de reserva técnica, onde Vieira mantém obras que, de tempos em tempos, substituem as que estão em exibição. A maior parte de suas aquisições vem de galerias e feiras paulistanas.

Para a seleção de objetos e mobiliários, Vieira credita sua formação a dois nomes: o curador e jornalista João Pedrosa (falecido em 2023) e o antiquário carioca Jorge Castilho.

Na sala de estar, destacam-se sofás italianos comprados no Rio nos anos 1990 e trazidos para São Paulo. Estão ali também poltronas presidenciais de Jean Gillon (1919–2007) e um conjunto de mesa e poltronas do dinamarquês Jens Quistgaard (1919–2008), cujos trâmites alfandegários para chegar ao Brasil levaram quase dez anos.

 

Foto: Pablo Saborido

 

Foto: Pablo Saborido

 

Nos quartos dos filhos, não falta arte. Miguel tem obras de Vik Muniz, Gabriel Orozco, Rirkrit Tiravanija, Olafur Eliasson e o políptico En el cielo de Janet Cardiff. Já Maria Fernanda tem um quadro de Marepe. O escritório foi projetado por Claudia Moreira Salles, amiga de infância de Vieira. “Nossas mães eram melhores amigas, então temos uma relação de uma vida toda”, diz ele. As estantes e mesas foram desenhadas por ela; as cadeiras vieram da Passado Composto.

 

Foto: Pablo Saborido

 

Foto: Pablo Saborido

 

Vieira costuma passar de terça a sexta em São Paulo, voltando ao Rio no fim da semana. Às vezes, faz um bate e volta entre segunda e terça. A morada paulistana também funciona como parada estratégica antes das viagens com os filhos — para a fazenda da família no sul de Minas Gerais, mais próxima de São Paulo que do Rio.

Ele acredita que o vaivém entre cidades é enriquecedor para a formação dos filhos.

“Ajuda-os a entender que o mundo não começa e termina no Rio.”

Lembra que Miguel, um dia, ao avistar um prédio pela janela do carro, comentou:

“Como São Paulo é bonita.”

“E o prédio era enorme, horrendo. Mas é bacana, né? Com isso ele não tem apenas a referência do mar, da montanha. Ele, ali, já demonstra que está desenvolvendo um gosto pelo que é urbano”, conclui.